Inácio
Oliveira
Ouvindo
Uma Canção No Rádio
Vitor
nasceu de uma música tocando no rádio. Eu o vejo sentado, olhando pela janela
de um trem. Ele ainda não tem um rosto. Você sabe, os personagens não nascem
prontos. É preciso conviver com eles, amá-los e até mesmo odiá-los; assim como
se faz com certos parentes. Vitor pode estar pensando em alguém que deixou para
trás. Talvez seja uma menina loira, com sardas no rosto e de corpo frágil, que conheceu
na adolescência. Ele a amou como se ama na primeira vez e agora terá que esquecê-la.
Ou então Vitor pensa naquilo que vai encontrar ao chegar ao seu destino. Uma
nova cidade, novas pessoas e a possibilidade de reinventar a própria vida.
Talvez alguém espere por ele, pode ser uma tia distante e sem filhos que anseia
a sua chegada. Aos poucos, Vitor ganha um rosto, uma expressão melancólica e ao
mesmo tempo sonhadora.
O
trem chega à estação no segundo e último parágrafo desta história. Vitor
desembarca e olha ao redor como se procurando reconhecer alguém. Ele traz
apenas uma mochila, é possível que esteja só de passagem. Nesta história, Vitor
ainda é jovem, ele veste calça jeans, camisa branca e uma jaqueta escura por
cima. Aparentemente, ninguém espera por ele. Ele está sozinho numa cidade
desconhecida. Vitor caminha entre os transeuntes e aos poucos se perde na
multidão. Esta cidade certamente é uma cidade do sul, porque aqui faz frio e
anoitece sempre às pressas. Pobre Vitor, com frio e com fome; longe da sua casa
e da sua gente e o culpado disso tudo sou eu, que ouvi uma canção no rádio.