João Bosco Botelho
O
alfabeto grego possui duas letras “e” longo = eta e o “e”curto = épsilon. Dessa
forma, êthos com a letra eta significa: característica, modo habitual de se
comportar; éthos com a letra épsilon: corriqueiro, costume, usual. O processo
histórico linguístico impôs semelhança etimológica entre os dois termos: ambos
estão vinculados à virtude. Talvez também por essa razão, no cotidiano, a ética
tem caminhado ao lado da moral.
A
palavra “moral” é de origem latina, “mores” significa “costume”, mas não
qualquer costume, e sim estritamente aderido à virtude. Assim, Kant, de modo
genial, caracterizou a ação moral plena de virtude e realizada, exclusivamente,
por dever legalista, em respeito às leis, em caráter universal.
Em
muitas circunstâncias, essa característica universal da ação moral, citada por
Kant, isso é, a busca incessante para que o comportamento humano estivesse
sempre ao lado da virtude, independente do processo fiscalizador, ultrapassa as
relações sociais em si mesmas. Não é impertinência pensar que esse desejo
humano, desde um passado impossível de precisar, de valorizar a virtude, como
antagonismo ao vicio, seja um processo gerado ao longo da humanização, ligado à
sobrevivência do grupo humano.
Sem
esforço, torna-se inevitável articular um pensamento teórico voltado à herança
genética, para a existência de uma ou mais memórias-sócio-genéticas (MSGs)
ligadas à valorização da virtude e o desprezo ao vício, atadas aos mecanismos
institucionais para valorizar a virtude e unir os vícios. Esse conjunto
organizador social presente nas MSGs, vinculado à sobrevivência – ética-moral
–, presente na espécie humana, a única com neocórtex tão desenvolvido,
desprezando o vício (aqui compreendido como oposição à virtude) também se
manifesta socialmente por meio de outras categorias metamórficas, todas
amparando a sobrevivência pessoal e coletiva: linguagem, ser-tempo (pessoas
vistas e pensadas), ser-não-tempo (seres pensados impossíveis de serem vistos),
relações médico-míticas (associação de deuses e deusas de muitos panteões com a
saúde a doença), dor-histórica (presentes nas MSGs, ao contrário da dor
pessoal, tratada pelo agente da cura, funciona alerta de um ou mais sofrimentos
coletivos que impuseram mudanças socias) e a coesão social. A ética-moral ampara e mantém as MSGs.
É
claro que nos dias atuais ainda não existem mecanismos na engenharia genética
capazes de identificar essas MGSs, mas esse fato não invalida essa construção
teórica.
É
difícil atribuir a atávica busca da virtude somente às relações sociais. Em
incontáveis ações humanas, sejam pessoais ou coletivas, em grupos sociais das
mais diversas etnias, nos quatro cantos do planeta, existem fortes indicativos
de que esse encanto coletivo pela virtude seja motivado por impulsos que
transcendem o exclusivamente social.
Desse
modo, sob essa perspectiva, os significantes da ética ligada a moral, oriundos
da escrita grega, com o “e” longo, o eta, ou com o “e”curto, o épsilon,
reproduzem importantes e indispensáveis mecanismos sociogenéticos da
sobrevivência da espécie humana, materializados nos códigos de ética de muitas
atividades, nas quais a ética médica é um deles.
Ainda
em torno das associações entre a ética e a moral, especificamente, na
compreensão ética e moral das práticas médicas, existem algumas tentativas para
conceituar a ética médica também integrando à virtude, independentes de a
primeira estar pressuposta ao coletivo e a segunda, ao indivíduo.