Zemaria Pinto
Romana
Nos anos 1960, o mundo
virou literalmente de cabeça para baixo. Passado dos 30, era difícil acompanhar
o turbilhão de mudanças que os jovens promoviam – e alguns nem tão jovens, como
Luther King e Timothy Leary. Mas os grandes paradigmas, pelo menos na minha
cabeça, eram as drogas e a liberalidade sexual – que, aliás, eu já praticava,
apenas pelo meu lado, havia mais de duas décadas. Foi então que conheci Romana,
15 anos mais jovem, meio hippie, um tanto mística, e absolutamente desregrada. Romana
fazia teatro, escrevia crônicas para um jornal “alternativo”, que era publicado
junto com um jornalão, aos domingos, e apresentava-se como poeta e artista
plástica. Não era uma coisa e nem outra: não produzia nada, além de muita
fumaça, o dia inteiro. E quando estava sem erva ficava extremamente depressiva.
Mas era jovem e bela – qualquer sacrifício seria suportável. Insuportável só
mesmo o seu discurso feminista, que ela liberava a qualquer momento, nas horas
mais impróprias, o que acabou por me tornar alvo de piada dos amigos. Mas como
era gostosa!.., especialmente quando estava chapada, gozando vezes sem conta e
falando coisas desconexas e belas – êxtase, transe, poesia. O sol de mim
vasculha a madrugada vem de girassóis encharcado o cheiro de mato pra mim meu bichinho
bonito vem comigo nesse campo de estrelas as flores na minha cara a carne nas
minhas pétalas macias gardênia solitária vem meu pelo no teu mamilo minha boca
tua boca saliva mel a tua mão na minha luz vem meu veleiro o mar revolto porto
vem... Gravei essas palavras sem o consentimento dela; eram mais de 15 minutos
de delírio. Quando mostrei-lhe, num acesso de fúria, quebrou o gravador e fez o
mais destruidor discurso que uma mulher, dona de sua privacidade e de sua
poesia, faria – e nunca mais me olhou nos olhos. Tantas vezes repeti aquela
fita, que ainda ouço Romana gemendo gozos e murmurando pássaros nas madrugadas
da minha devastação.