João Bosco Botelho
O século 18,
reconhecido como o século das luzes, brilhou no esplendor das construções
teóricas de Kant reconhecendo a supremacia da razão como instrumento para
superar a ignorância. Em certas condições, é possível também entender alguma semelhança
entre as ideias sobre a natureza dos homens, defendida pelos autores
setecentistas, como o início da generosidade explícita laica, como manifestação
da virtude, que os médicos devem adotar no trato com os doentes.
Nesse
contexto, dois filósofos se destacaram:
– Denis
Diderot (1713-1784), no livro “Carta sobre os cegos para uso por aqueles que
vêem”, onde descreve as mudanças no próprio pensamento, das teogonias ao
materialismo ateu. A mais importante obra de Diderot, “Enciclopédia”, em 28
volumes, retratou o conhecimento até então publicado. Como ferrenho crítico do
clero, declarou: “O homem só será livre quando o último déspota for
estrangulado com as estranhas do último padre”.
–
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), escreveu na “Enciclopédia” de Diderot,
adepto de uma religião natural, recusando os dogmas revelados e propondo que o
encontro com Deus poderia ser no próprio coração. No extraordinário livro “Do
contrato social”, defendeu a soberania do poder nas mãos do povo.
Desse modo,
o século 18 refundando a generosidade virtuosa, fora dos dogmas da Igreja,
rapidamente aderiu à Medicina. Também é interessante assinalar que o
pressuposto da necessidade absoluta do progresso, estruturante no século das
luzes, não se desprendeu dessa generosidade, como está claro na declaração dos
Direitos do Homem.
Esse ideário
de generosidade, direito e ética se transformou em mensagens de liberdades e
acenderam os pavios das revoluções que forçariam, outra vez, a abordagem da
ética, sob a ótica do genial Kant. Esse homem extraordinário sem jamais sair de
sua cidade natal Kõnigsberg, na antiga Prússia oriental, publica dois livros
que mudariam algumas abordagens da ética e da moral. Em 1788, “Crítica da razão
prática” e, em 1790, “Crítica da faculdade de julgar”, essencialmente contra o
autoritarismo que dominava o mundo político no qual vivia, sob o reinado de
Frederico II, rei da Prússia, cujos julgamentos sumários lembravam os
realizados pela Inquisição católica, nos quais o réu já entrava no julgamento
previamente condenado e só eram permitidas as respostas “sim” ou “não” do
próprio réu e das testemunhas. O desfecho contra o vício nos julgamentos viria
na introdução do não menos genial “Crítica da razão pura”, onde a categoria
metafísica é utilizada para repudiar todos os dogmatismos despóticos, falsas
genealogias, as indiferenças quanto às diferentes naturezas dos conhecimentos
humanos.
Por outro
lado, a presença do pensamento micrológico, inaugurado por Marcelo Malpighi, no
Renascimento, atingiu e ocupou a maior parte do ideário da Medicina na busca da
materialidade da doença sob as lentes de aumento.
Por outro
lado, chegaram os avanços nos saberes em vários aspectos da Medicina. Sem
dúvida, a fisiologia ofereceria outra e maior dimensão à anatomia: as academias
e sociedades médicas promoviam debates sobre o funcionamento dos órgãos, não
bastava só conhecer a anatomia!
Claramente, a
ética médica se voltaria aos bons resultados dos tratamentos. Nessa esteira, cirurgiões
descreveram técnicas com o objetivo de diminuir as mortes e sequelas nos
pós-operatórios e as ações para melhorar o saneamento das cidades se tornou prioridade
dos governos.