Zemaria Pinto
Síria
Talvez por causa do
nome, a religiosidade de Síria me fazia pensar no incidente de Saulo, na
estrada de Damasco. Parecia haver algum vínculo secreto entre os fatos místicos
e aquela fé furiosa, que superava qualquer carolice e que a fazia tão distante
das demais colegas de trabalho. Para mim, quebrar aquele gelo era um desafio.
Mas a que custo? A rotina do banco, entretanto, nos aproximou. Seus olhos
verdes, tão raros, emoldurados pelo bronze caboclo da pele, eram sedutores. Dei
tempo ao tempo, ganhando sua confiança. Ela não era mais nenhuma criança, muito
próxima estava daquela idade que Balzac consagrou. Uma sexta-feira, convidei-a
para um drink. Para minha surpresa, aceitou sem que eu precisasse insistir.
Terminamos a noite num quarto barato de hotel do Centro, bêbados. Não lembro exatamente
o que aconteceu e como aconteceu. Quando despertei, vi que o pescoço, os seios,
as coxas, as costas e a bunda de Síria estavam irremediavelmente marcados por
ridículos chupões. Ela estava serena. Parecia até feliz. Disse que eu não
precisava me preocupar, afinal, ela era senhora de si e não devia satisfações a
ninguém. A partir daquele acontecimento que me causou muitos transtornos em
casa (eu também ostentava alguns chupões!), Síria transformou-se: saiu da casa
dos pais, abandonou a igreja e os padres que a exploravam financeiramente, e
foi morar sozinha num sobrado a 200 metros do banco. Fizemos ainda muitas
festas a dois, até que ela casasse com um comerciante árabe dos Remédios e
saísse do banco e da minha vida. Lembro-me de Síria com imensa ternura. A minha
irresponsabilidade naquela noite mostrou-lhe uma nova forma de encarar a vida –
e salvou-a de ser devorada pela estupidez do fanatismo.