Pedro Lucas Lindoso
Tia Idalina mora em Copacabana no Rio de janeiro. Morre de saudades de
Manaus como morre de medo de avião. Só voltaria para Manaus se fosse pela
Varig. Na juventude frequentou o cine Odeon, o Politheama e o cine Avenida, o
de dona Iaiá. Assistiu aos shows da Ângela Maria na Maloca dos Barés. Uma
saudosista. Tia Idalina tem vários sobrinhos espalhados por Manaus, Rio de
Janeiro e Brasília. E é queridíssima de todos. Dos amazonenses, sempre pede
encomendas do mercadão Adolfo Lisboa: farinha do uarini, sebo de Holanda,
pimenta murupi, peixe, tucumã e pupunha. De vez em quando insinua que adoraria
comer uma tartarugada. Mas como levar uma tartaruga viva de Manaus para o Rio
de Janeiro. De avião? Impossível. Quem conseguiria burlar o Instituto Chico
Mendes, O IBAMA a ANVISA e a Polícia Federal? Alguém sugeriu que se comprasse
uma tartaruga do mar. Tia Idalina protestou. Não quero, só serve se for Podocnemis
Expansa também conhecida
como Tartaruga-da-Amazônia. E ponto final. Adoraria fazer uma grande
tartarugada, com sarapatel e tudo. Mas teria que ter uma tartaruga viva.
Aproveitaria a estadia de Marieta no Rio de Janeiro. Marieta é empregada da
família há mais de vinte anos. Cabocla esperta de Nhamundá, cozinha como
ninguém. Sabe todos os segredos de como tratar uma tartaruga e fazer todos os
pratos que compõem uma tartarugada completa. Inclusive farofa do casco, que não
pode faltar. Tia Idalina fez 80 anos dia 21 de abril. Paulinho, um dos
sobrinhos queridos de Idalina, que mora em Brasília, foi o responsável pela
grande surpresa. Paulinho nos contou a sua epopeia. Descobriu que a empregada
de sua sogra, Rosilene, era de Formoso
do Araguaia, sul do Tocantins. Cidadezinha com 20 mil habitantes, distante 600 km de Brasília. Rosilene
disse que na sua cidadezinha havia uma grande quantidade de tartarugas que estavam
em um lugar conhecido como Lagoão, onde deságua o rio Formoso, afluente do
Araguaia. Lá tem muita tartaruga. Paulinho foi com Rosilene até Formoso,
comprou a bichona e retornou a Brasília no bate volta. Dia seguinte rumou com a
namorada para o Rio de Janeiro. Marieta já estava escalada para preparar a
tartarugada. A festa seria na segunda-feira mesmo, dia do aniversário da tia
Idalina. Paulinho chegou ao Rio no sábado, antevéspera da festa. Estava
combinada uma “mentira branca”. A tartaruga teria sido adquirida na rampa do
Mercado, em Manaus A
cascuda sobreviveu milagrosamente. Estava em ótimo estado, segundo a própria
Marieta, “expert” em tartarugada.
O parecer de Marieta é de que a tartaruga era amazonense.
Todos poderiam ficar tranquilos. Ela tinha certeza que não era de mar. A tartaruga
é da Amazônia. De fato era uma Podocnemis
Expansa, ratificado pela própria Tia
Idalina Colocaram a bichona no banheiro de empregada do apartamento da
titia. Os vizinhos ficaram sabendo. Havia fila para ver a tartaruga. Um dos
vizinhos, para azar de tudo e de todos, era fiscal do IBAMA. E não é que o cara
queria confiscar a tartaruga? Mas tia Idalina é uma “lady”. Perguntou ao moço
se ele já tinha comido uma tartarugada amazonense. Ele disse que sim. Achou
tudo uma delícia. Então tia Idalina o convidou para a festança. Ele aceitou o
convite e ficaram todos conversados. A Alegria de tia Idalina era comovente.
Marieta preparou uma enorme travessa de sarapatel. Fez aquele guisado para
ninguém botar defeito. O picadinho ficou delicioso. Tudo servido com arroz
branco, pimenta murupi e farinha ovinha. E ainda teve a farofa feita no casco.
Dizem que o cheiro da famosa iguaria exalou por toda a orla de Copacabana até o
posto Seis. Muito anos de vida a tia Idalina!