Pedro
Lucas Lindoso
Quem
foi menino em Manaus na década de sessenta, com certeza tem nas lembranças
afetivas a figura de dois bonecos emblemáticos e icônicos da cultura popular da
cidade de Manaus: Peteleco e Kamélia.
O
Peteleco é um boneco criado pelo ventríloquo Oscarino Varjão que foi muito
amigo de meu saudoso pai, José Lindoso. Peteleco é um neguinho muito querido,
respondão, malcriado e dizia tudo que a gente gostaria de dizer e não podia.
Naquele
tempo, menino era tratado como menino. Tolice era inibida com palmatória e
cachuleta. Para quem não sabe o que é cachuleta, trata-se de levar uma forte pancada com o dedo médio na orelha, para ficar esperto e não fazer mais
tolice. Aliás, cachuleta também se chama
peteleco, principalmente no sudeste do Brasil.
Posso
dizer que o Peteleco foi um dos meus melhores amigos de infância. Toda vez que
ele se apresentava no auditório do SESC na rua Henrique Martins, onde morávamos,
eu não perdia. Considero o Peteleco como um dos meus diletos companheiros da rua
Henrique Martins.
Soube
que o Peteleco também faz shows para adultos atualmente. Fico feliz em saber
que o Peteleco é um garoto cinquentão como eu.
Há
poucos meses, era domingo e eu fui assistir ao Peteleco, na Casa de Música Ivete Ibiapina, na Rua 10 de Julho. Após o show,
conversei com Oscarino e ele lembrou-se de meu pai com carinho e deferência.
Disse a ele que conhecia o
Peteleco desde menino e ele ficou feliz. Ah! E ainda tive o privilégio de
“conversar” com o próprio Peteleco. Foi uma alegria para mim.
O outro boneco, digo boneca, é a
Kamélia. Ela sempre chega para a abertura do carnaval de Manaus.
Durante certo tempo eu tinha medo da Kamélia. Um
verdadeiro pavor. Explico: a boneca foi
inspirada na marchinha Jardineira, na qual a Kamélia “caiu do
galho, deu dois suspiros e depois morreu”. Na minha cabeça de menino medroso, a
Kamélia seria uma “visagem”, uma assombração.
Como todo curumim, eu adorava ver
avião. Ir ao Aeroporto Ponta Pelada era um passeio irrecusável. Mas quando
soube que naquele dia iríamos ao aeroporto para a chegada da Kamélia, o medo
tomou conta de mim.
O fato é que a Kamélia chegava de avião, vindo
provavelmente da Bahia, e a população ia “buscá-la” no antigo Aeroporto de
Ponta Pelada. Era um acontecimento. Mas e o medo de alma penada?
Foi então que me enchi de coragem
e perguntei a Darinha, que morava lá em casa desde sempre: – Darinha, os
bonecos morrem? E então ela me disse:
– Não meu filho, bonecos não morrem.
Os bichos, as pessoas, as plantas morrem, mas os bonecos não morrem nunca.
Sempre acreditei na Darinha. E lá
fui eu, feliz da vida, ao aeroporto de Ponta Pelada receber a Kamélia, vindo
diretamente de Salvador para Manaus, vestida de baiana, para alegrar os
manauaras.
E todo ano ela chega. Agora,
procedente do Rio de Janeiro. E o Peteleco continua por aí.
E não é que é verdade? Darinha
tinha razão. Os bonecos não morrem nunca. São eternos.