Inácio
Oliveira
Pense
em tudo aquilo que poderia ter sido e que não foi. Pense em quantos mínimos
acasos fizeram sua vida tomar um rumo que você jamais escolheria. Pense naquele
preciso instante em que você quis partir, mas na última hora decidiu ficar para
depois perceber que ter ido era tudo que devia ter feito. Pense nas longas
filas nos supermercados, nos bancos e nos cinemas. Pense nas horas
desperdiçadas no trânsito das cinco da tarde. Pense nas pessoas que não usam
desodorantes dentro dos ônibus lotados às sete da manhã. Pense naqueles que
perderam um grande amor por um gesto, uma palavra ou um silêncio. Pense num
rapaz que anotou os números que seriam sorteados na mega-sena, mas na hora de
comprar o bilhete decidiu comprar ração para o cachorro. Pense num homem que
perdeu as melhores horas da sua vida montando celular numa fábrica do Polo
Industrial de Manaus. Pense numa torneira pingando a noite toda num quarto
esquecido no fim do subúrbio onde alguém morre lentamente por falta de
cuidados, amor e antibióticos. Pense na chuva caindo sobre um telhado onde
todos estão mortos. Pense naqueles que partiram sabendo que jamais iriam
voltar. Pense num louco sentado na praça conversando com a mãe que já morreu.
Pense num homem que saiu de casa magoado com sua mulher e seus filhos e que
morreu em seguida atropelado na rua. Pense numa pessoa que será enterrada numa
vala comum sem direito a nenhuma lágrima. Pense num homem com a mãos sujas do
sangue de outro homem. Pense num índio que teve seu corpo queimado numa praça
de Brasília. Pense nas mulheres mutiladas, imprestáveis para o amor. Pense na
pedofilia. Pense naqueles que sofrem nos hospitais e nos enterros. Pense num
homem que deu um tiro dentro da própria boca e não morreu. Pense no câncer em
metástase, na peste negra ou na aids. Pense num homem deitado em posição fetal no
chão frio de um cárcere, cujo último desejo é voltar para o útero, qualquer
útero. Pense em alguém que foi comido pelas piranhas no fundo escuro de um rio.
Pense num jovem que teve os testículos eletrocutados dentro de uma sala do
exército em 1964. Pense num longo e terrível dia de fome. Pense na repetição,
sempre possível, de Auschwitz. Pense numa tarde remota em Hiroshima onde a
paisagem nunca mais foi a mesma. Pense no Estado islâmico. Pense na agonia impensável
de uma criança no momento exato em que ela nasce. Agora imagine que um anjo
terrível varresse a terra com sua espada de fogo e os homens sacrificados
pedissem perdão: Não Peça! Não Peça!