Amigos do Fingidor

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

A poesia é necessária?

O poeta veste-se

Luiz Bacellar (1928-2012)


Com seu paletó de brumas

e suas calças de pedra,

vai o poeta.


E sobre a cambraia fina

da camisa de neblina,

o arco-íris em gravata

vai atado em nó singelo.


(Um plátano, sobre a prata

da água tranquila do lago,

se debruça só por vê-lo).


Ele leva sobre os ombros

a cachoeira do lago

(cachecol à moda russa)

levemente debruada

de um fino raio de sol.


Vai o poeta

a caminhar pelas serras.


(pelos montes friorentos

mal se espreguiça a manhã)


com seu pullover cinzento

(feito com lã das colinas)


com seus sapatos de musgo

(camurça verde dos muros)


com seu chapéu de abas largas

(grande cumulus escuro).


Mas algo ainda lhe falta

para a elegância completa:


súbito para, se curva,

num gesto sóbrio e perfeito,


um breve floco de nuvens

colhe e prende na lapela.

 


terça-feira, 19 de novembro de 2024

A justiça inglesa


Pedro Lucas Lindoso


          O triste evento ocorrido em 2015 na cidade de Mariana, foi, sem dúvida, o maior desastre ambiental ocorrido no Brasil. Destruiu a biodiversidade de áreas de preservação e a vegetação da Mata Atlântica.  

          A tragédia resultou na morte de pessoas e afetou diversos municípios e reservas indígenas. O Rio Doce ficou extremamente poluído. A fauna e a flora da região foram brutalmente impactadas.

          Os processos na justiça brasileira se arrastam desde 2015. Então, as vítimas entraram com um processo perante a justiça inglesa. A ação é uma das maiores do mundo. O judiciário inglês iria julgar uma indenização aos municípios e pessoas afetadas pelo rompimento da barragem, avaliada em R$ 267 bilhões. O principal argumento da ação na Inglaterra é que esse tipo de questão não costuma ser resolvido no Brasil.

          O STF – Supremo Tribunal Federal, temendo que o judiciário inglês resolvesse a questão, impondo um grande vexame à nossa justiça, ajudou a encetar o acordo. O presidente da Corte, ministro Barroso, reconheceu que o Brasil tem um histórico de desastres ambientais mal resolvidos. Na sua opinião, caso a ação na Inglaterra chegasse a uma conclusão antes do judiciário brasileiro, seria um atestado da incapacidade da justiça do Brasil.

          O fato e que finalmente as vítimas serão indenizadas.  Graças à justiça da Inglaterra. Meu avô Phelippe Daou e dois irmãos emigraram do Líbano para o Brasil no início do século passado. A única irmã deles, chamada Amine, como minha mãe, emigrou com o marido para a Nova Zelândia. 

          Tia Amine e o marido Francis optaram por um país de colonização inglesa. Achavam que a justiça dos ingleses era melhor. Nova Zelândia é um país de primeiro mundo. O judiciário lá é baseado na justiça da Inglaterra. Tia Amine e o marido tinham razão. As vítimas de Mariana também. Loas à eficiente justiça inglesa.


domingo, 17 de novembro de 2024

Manaus, amor e memória DCXCVII


Membros e simpatizantes do Clube da Madrugada, reunidos ao pé do mulateiro.
O CM foi fundado na madrugada de 22/11/1954.

 

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

A poesia é necessária?

Poemas

Jorge Tufic (1930-2018)

           

                       I                                                                    

Amo arrumar palavras. Porque sei

que há traças percorrendo

em rios os papéis.


Coisa difícil é dar. Difícil

como saber se damos quando damos

ou tiramos quando tiramos.


Mas as traças são cegas.

Cega a vontade de morrer

mais cega a de escrever.


Palavras são sangue, mesmo

as que gravadas sem propósito.

E ninguém mais do que as traças

sabe disso.


                      II

Ouvi um chamado distante,

sem voz. Em seguida a surpresa

de assistir à queda de um ovo

pintado com as cores do arco-íris.


– Algum anjo brincalhão

Querendo tirar barrigada.


Depois outro ovo e mais outro,

tantos, de tantas cores,

que ao chegar em meu quarto

estava transfigurado. Decerto

não atendi ao chamado da poesia... 


                   III

O poeta vai pela rua.

Ninguém está vendo o poeta

porque o poeta é transparente.


O poeta atravessa a ponte

o poeta desfolha a rosa

o poeta contempla o mar.


Ninguém está vendo o poeta.

Mas duvido que ninguém sinta

a sua presença abstrata.


 


terça-feira, 12 de novembro de 2024

Malu conhece Libras

Pedro Lucas Lindoso

 

A minha netinha Maria Luísa, a quem chamamos carinhosamente de Malu, é muito inteligente e observadora. Além de ser bonita e simpática, é claro. Malu e sua irmã Maria Helena estavam assistindo a uma apresentação teatral na Feira do Livro do SESC.

No lado esquerdo do palco, vestida de preto, havia uma intérprete de Libras. Malu quis saber se aquela moça fazia parte da peça. Explicou-se que há crianças e adultos que não ouvem. São pessoas com deficiência auditiva. Os surdos. Eles precisam e têm o direito de entender o teatro. Daí a necessidade e a obrigação de ter os intérpretes de Libras nesses eventos.

Malu então ficou sabendo que Libras significa Língua Brasileira de Sinais. Trata-se de um idioma gestual-visual. Muito importante para a comunicação entre pessoas com deficiência auditiva. Explicamos que a Libras é fundamental para a inclusão de pessoas surdas.

Malu achou que deviam explicar para as crianças na escola o que é Libras. E que deveriam ensinar Libras para mais pessoas. Demos os parabéns para Malu. Se mais pessoas soubessem Libras ficaria mais fácil a inclusão dessas crianças nas escolas. E também ajudaria muito a comunicação dos surdos, proporcionando maior interação deles com a sociedade.

Malu ficou muito curiosa em saber como era essa língua. Explicamos que Libras é composta por um alfabeto e gramática próprios. Os sinais são formados pela combinação da forma e do movimento das mãos, expressões faciais e outros movimentos corporais.

Malu perguntou se poderia ser tradutora de Libras. Claro que sim. Um professor de Libras nos explicou que tradução e interpretação são diferentes.

A tradução se dá quando o tradutor tem acesso ao áudio, vídeo ou texto previamente e assim os traduz. Já na interpretação o processo é simultâneo. A interpretação é feita “ao vivo”, como no evento em que a Malu aprendeu sobre Libras. Lembrou-se que há essas interpretações na TV e em muitos outros locais.

Malu aprendeu ainda que existe o Braille. A língua específica dos deficientes visuais.

 Malu insistiu que as professoras deveriam ensinar essas línguas para os alunos. Ajudaria a inclusão dessas pessoas nas escolas e a sua interação na sociedade.

As professoras podiam dizer pelo menos que elas existem e nos mostrar como funcionam. Parabéns, Malu. Ótima ideia.


domingo, 10 de novembro de 2024

Manaus, amor e memória DCXCVI

 

Estudantes na praça de Fátima, em reforma.

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

A poesia é necessária?

 

O chão do mundo

Thiago de Mello (1926-2022)

 

Rumo nenhum persigo. É quando sigo

as vias do mais trôpego sonhar

ou de fundos e rijos pensamentos,

chego sempre a mim mesmo; o clamor áspero

que me atraiçoa o límpido silêncio,

após ressoar em vão pelas paredes

da gasta e surda concha do infinito,

retorna, feito mágoa, à minha boca.

Não sei dar-me o que busco, se o não tenho.

 

A erva do tempo cresce, suavemente,

não tarda e o chão do mundo me devora.

Por isso quando em mim se faz mais noite,

minha face despida de seus medos

em sua própria treva se contempla,

onde lhe esplende a rude finitude.

 

Em meu ser, resignado, permaneço,

pois se tento fugir-me, eis que me vem

à boca o travo frio do negrume

que existe além de mim, e que me espera.

 


terça-feira, 5 de novembro de 2024

Celebrando a morte


Pedro Lucas Lindoso

 

O México é um país onde a celebração da morte é motivo de festa. Muita comida e bebida. Música e ruas enfeitadas. A festividade do Dia de Los Muertos é presidida pela caveira Catrina, a Dama da Morte.

O México, como país católico, celebra o Dia de Finados no 2 de novembro. Como nós, aqui no Brasil. Pais vizinho dos Estados Unidos, eles também celebram o Halloween.

Aqui não misturamos as coisas. Mas no México a semana toda é dedicada aos mortos. Entre festividades e celebrações, os mexicanos emendam tudo. Halloween com Finados.

Para nós aqui, no Brasil, Halloween e Dia de Finados são coisas distintas.  Celebrado no dia 31 de outubro, o Halloween tem suas raízes em uma festividade celta que marcava o fim da colheita e a transição para o inverno.  Enquanto aqui, no hemisfério Sul, é primavera, na Europa e nos Estados Unidos é outono.

Os celtas acreditavam que no dia 31 de outubro, o véu entre o mundo dos vivos e dos mortos se tornava mais fino, permitindo que os espíritos dos falecidos visitassem o mundo dos vivos.

 Hoje, o Halloween é amplamente comemorado em muitos países, especialmente nos Estados Unidos, onde as tradições incluem fantasias assustadoras, decoração de abóboras e festas à fantasia. E crianças visitam as casas em busca de guloseimas.

Já no dia 2 de novembro, o Dia de Finados, temos uma comemoração religiosa, especialmente popular em países de tradição católica, como o Brasil e vários outros.  Este dia é dedicado à memória dos entes queridos que já faleceram. Famílias visitam cemitérios, limpam e decoram túmulos com flores, e fazem orações pelos que partiram. É um momento de reflexão, saudade e reverência à vida dos que já se foram.

Enquanto o Halloween celebra o aspecto lúdico da morte, o Dia de Finados é um momento solene de lembrança e homenagem. Ambas as celebrações lidam com a morte, mas nenhuma tão festiva e peculiar como no México. Por lá, as tradições do Dia dos Mortos incorporam elementos festivos e coloridos, unindo as características de ambas as festividades. Nessa semana os mexicanos se esbaldam em festas, comidas e bebidas, celebrando seus mortos. Como dizia minha mãe: “cruz credo!”

 

domingo, 3 de novembro de 2024

Manaus, amor e memória DCXCV

Visão panorâmica do Centro de Manaus, 
com o Teatro Amazonas ao fundo.

 

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

A poesia é necessária?

O rio Amazonas

Elson Farias


Rio, lavras tua gula,

comedor de terra e espuma,

trazes os teus peixes todos,

sol ardente sobre lâmina.

 

Manhã clara consumada,

hereditária da chuva,

água tranquila na cuia

do verão que te saúda.

 

Noite nova sobre as árvores,

sombras nos ombros da lua,

os duendes antigos vivos,

mulher deitada na grama.

 

Não és um rio caduco,

mas uma fera atiçada.

Contra a fome te concentras

como o fixo olhar da garça.   

  

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Servidores para bem servir

Pedro Lucas Lindoso

 

Dia 28 se outubro se comemora o dia do servidor público.  Antigamente, no Brasil, se chamava de funcionário público aos que se dedicavam ao ofício de trabalhar pelo e para o estado, o município e a união. O termo ainda é bastante usado. Era como os servidores eram chamados sob a égide da Lei n° 1.711/1952 que teve vigência até 1990.  Com o advento    o da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que revogou aquele antigo estatuto, a data comemorativa foi mantida. Data que foi instituída em 28 de outubro de 1939, durante o governo de Getúlio Vargas.

Nos Estados Unidos, os cidadãos americanos têm o costume de sempre agradecer aqueles que servem ao seu país. E que os servem por tabela, é claro. Principalmente, os que atuam na defesa, segurança e outros serviços perigosos ou insalubres. Não temos esse hábito. Possivelmente porque nossas elites sempre acharam dispensável agradecer aqueles que os servem. Desde os escravos até os barnabés.

Chamávamos de barnabé. Aqueles politicamente incorretos ainda os chamam assim. O servidor público mais humilde e hierarquicamente inferior. É pejorativo. Em inglês, não há o equivalente. Também não há equivalente em francês ou outras línguas. Exceto o nome bíblico. São Barnabé ou Barnaby. A origem do termo está no carnaval de 1948. Uma marchinha onde se precisava rimar com a letra E de extranumerário. Daí surgiu o barnabé. Eternizada na voz de Emilinha Borba, a marchinha dizia: Quadro extranumerário/Ganha só o necessário/Pro cigarro e pro café/ Quando acaba seu dinheiro/Sempre apela pro bicheiro/Pega o grupo do carneiro/Já desfaz do Jacaré/ O dinheiro adiantado/ Todo mês é descontado/Vive sempre pendurado/Não sai desse tereré./ Todo mundo fala fala/Do salário do operário/ Ninguém lembra o solitário/ Funcionário Barnabé/ Ai Ai Barnabé/Ai Ai funcionário letra É./ Ai Ai Barnabé/ Todo mundo anda de bonde/Só você é que anda a pé....

A maioria dos barnabés de hoje são terceirizados.  Por empresas e cooperativas. Na França a terceirização é proibida. Chama-se de merchandage. No Reino Unido, a Família Real se considera a serviço do povo Inglês. São então servidores!

Desejo a todos os brasileiros que assim  o desejarem,  possam fazer um bom concurso e se tornarem servidores bem remunerados. Para bem servir. Feliz ponto facultativo aos servidores. Aliás um bom e merecido feriadão.

 

domingo, 27 de outubro de 2024

Manaus, amor e memória DCXCIV

 

Rua ligando o bairro de Santo Antônio a São Jorge. Década de 1960.

sábado, 26 de outubro de 2024

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

A poesia é necessária?

 

Estudo I

Alcides Werk (1934-2003)

 

Este o lugar em que me entrego. Eu, que

sempre fui cuidadoso com meu sangue,

aqui vejo-o embeber-se em solo estéril

– sacrifício vazio a um deus extinto.

 

Gosto de frequentar esta taberna,

onde me sirvo do meu próprio vinho,

nem perguntam quem sou. Meu companheiro,

que antes cantava e me aplaudia, agora

 

embuçado em silêncio me observa

como se eu lhe devesse algum milagre.

Na meia-luz da tasca entra uma lua

 

que inventa novas sombras nas paredes.

Dos meus olhos de espanto e de tristeza

vai caindo um poema sobre a mesa.



terça-feira, 22 de outubro de 2024

Manaus, com respeito e carinho

Pedro Lucas Lindoso

 

No próximo dia 24 de outubro estaremos comemorando mais um aniversário de nossa querida Manaus.

Sempre que a data se aproxima eu me lembro de minha saudosa mãe. Eu a visitava quando fazia escalas em Brasília. Num certo outubro disse-lhe que Manaus estaria fazendo trezentos e tantos anos no dia 24. Ela, espantada, me disse:

– Mas eu me lembro do centenário da cidade! Foi no ano em que me casei!

De fato, meus pais, José e Amine Lindoso, se casaram em oito de dezembro de 1948. Na Igreja de Nazaré. Pouco mais de cinquenta metros de onde minha mãe morava.

Ela não estava totalmente errada. Em 24 de outubro de 1848 Manaus juntamente com Santarém, no Pará, eram elevadas à categoria de cidade. O nome dado ao local foi Cidade da Barra do Rio Negro. Ainda éramos Grão Pará. Mas, logo em 1850 o Amazonas tornou-se província.  Novos tempos. Novas percepções. Naquela mesma década a cidade passou a se chamar Manáos. Reforma ortográfica já no século 20 que transformou páos e náos em paus e naus. E Manáos virou Manaus.

É certo que há vários milênios já se comia jaraqui por aqui. É certo também que   na segunda metade do século 17 os colonizadores chegaram na terra dos Manaus e dos Barés.

Minha mãe também não estava errada. Naquele ano de 1948 quando ela se casou comemorou-se cem anos do decreto que elevou Manaus da categoria de vila à categoria de cidade.

Assim, conservou-se o 24 de outubro. Já o ano da fundação, ocorrida na segunda metade dos anos 1600 foi consenso entre historiadores e “experts” que o melhor ano seria 1669.

O importante é celebrar nosso amor pela cidade. No meu saudosismo, queria uma Manaus com mais paralelepípedos e menos asfalto. Mais árvores e menos igarapés poluídos.

Sou de uma época em que os embates políticos se davam em comícios.  Palcos eram armados nas ruas e praças. Mais importante do que as farpas, difamações e vitupérios mútuos, era uma boa oratória. O falar bem era decisivo. Tínhamos eleições mais respeitosas. Manaus mais civilizada. Manaus com mais respeito e carinho. A cidade precisa desse presente de aniversário. Respeito e carinho.


domingo, 20 de outubro de 2024

Manaus, amor e memória DCXCIII


Montagem da cúpula do Teatro Amazonas.

 

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

A poesia é necessária?

 

Paisagem aquática

Almir Diniz (1929-2021)

 

Imaginei-me poeta

quando me vi remar sonhos

na igarité das ideias

singrando o líquido dorso

dos lagos de minha infância:

– o do Rei e o Marajá –

bordados de canarana

e lendas de cobra-grande

e ilhas de matupá

de bubuia contra o vento

nas asas do meu momento.

 

De passagem, as oiranas

povoadas de ciganas

compunham a valsa da vida

no dolente baticum

dos remos tangendo notas

nas falcas do casco leve

feito de louro-gamela,

fendendo o doce mistério

da ternura adolescente,

na corrente e nos sonidos

dos paranás dos meus idos.

 

No remanso e no rebojo

o meu remo garimpava

salpicos de melodia

vertendo brilhos difusos

que iam tingir de prata

os fornos esmeraldinos

da deusa vitória-régia

repletos de jaçanãs,

falenas, socós, intãs,

de aruás e de magia

a semear poesia.

 

A viagem dos cardumes,

demandando corredeiras,

em fúria reprodutiva

desabrochava em minha alma

uns pendões de melodia

permeando de perfumes

as flores da inspiração

nos domínios da ilusão,

nos teclados da estesia.

Dos frisos das piracemas

nasciam belos poemas.

 

Imaginei-me um esteta,

pintor nativo, um aedo,

quando vinha a primavera,

ouvindo do passaredo

suaves canções nativas

de japiins, sabiás,

canários e curiós,

rouxinóis, uirapurus

saudando manhãs de luz,

a alma de sons vestida,

os olhos tecendo a vida.

 

O sol vindo desatava

clarões de rara beleza

tingindo de luz nenúfares,

sensitiva, mururés,

e os curvos pendões dourados

de arroz-brabo e canarana

atraindo a passarada

ao repasto matinal.

Então o vento lançava

chuva de grãos saciando

a piracema passando.



terça-feira, 15 de outubro de 2024

Professores

 Pedro Lucas Lindoso 


Dia 15 de outubro. Como todos os anos, é dia de saudar os professores.

Sou de uma família de professores. Meu pai, José Lindoso, foi professor. Não se furtava em explicar e ensinar aos filhos. Sempre com desvelo e alegria. Nosso maior mestre. Em tudo e por tudo.

Tive a felicidade de ter tido muitos e inesquecíveis professores. E também a alegria de ensinar. E ter tido a oportunidade de ter muitos alunos inesquecíveis também.

Há um autor da Literatura Medieval Inglesa chamado Geoffrey Chaucer. Foi ainda filósofo e diplomata.  Autor da obra Os Contos de Canterbury (The Canterbury Tales, em Inglês). O primeiro grande clássico da literatura mundial composto em língua inglesa.

Nesse fantástico livro há vários contos narrados por personagens. Eles são peregrinos em uma viagem de Southwark, em Londres, até a Catedral de Canterbury. O objetivo é visitar o túmulo de São Thomas Becket.

Dentre esses personagens o meu preferido é o monge (“the monk”). Os contos de nosso monge são trágicos, na verdade. Ele relata vários acontecimentos mas é interrompido pelo cavaleiro sob o argumento de que estava cansado de tristezas.

O meu afeto pelo monge reside no fato de que ele é professor. E, como eu, um apaixonado por livros. Tinha muito orgulho de sua vasta biblioteca. Na Idade Média, antes do advento da prensa de Gutemberg, os livros eram raros e caríssimos. Dos peregrinos, incluindo um reitor e um advogado, o monge era o que possuía mais livros. Tinha seis livros. Uma verdadeira riqueza para aquela época!

O monge deveria ser o que hoje seria um estudante de pós-graduação, que estuda e leciona. De suas falas a que eu jamais esqueci diz: “I gladly learn and I gladly teach”, cuja tradução livre seria: “Eu aprendo com alegria e ensino com alegria”.

Para os professores se tornarem inesquecíveis e que eles também possam se lembrar de alguns alunos é preciso que se ensine e se aprenda com alegria.

Para tal, os professores precisam de qualificação, respeito, dignidade e bons salários.

Feliz dia aos professores e seus alunos. Com alegria!

 

domingo, 13 de outubro de 2024

Manaus, amor e memória DCXCII


Eduardo Ribeiro, com a Catedral ao fundo.

 

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

A poesia é necessária?

 

Do urutau

Max Carphentier

 

Vivendo de morrer do amor perdido,

a alma da cunhã, presa na lua,

às vezes desce sobre a noite, e canta

com o nome de urutau, ave das sombras,

em que se encarna pra sofrer nos ramos.

É que Tupã um dia a condenara,

por ter sido infiel, a errar nas trevas,

penando como fazem as flautas tristes.

E vem nesse cantar da lua à terra

toda mágoa dos olhos que interrogam

o céu sobre o pesar do amor sozinho,

como o pesar que sofre essa cunhã

que, se um falaz amor tarde traíra,

do verdadeiro amor cedo partira.

 

 

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Tipos de eleitor

Pedro Lucas Lindoso 


As pesquisas eleitorais deviam analisar melhor o perfil do eleitor a ser entrevistado. Vejamos alguns tipos.

Há o eleitor em que ele próprio é candidato. Se for candidato a um cargo majoritário como prefeito, por exemplo, é claro que votará em si mesmo. Agora, sua escolha para vereador é uma incógnita. Nem ele sabe. Com certeza vai votar em candidato de sua legenda. Mas já prometeu seu voto para pelo menos cinco.

Quem é servidor público e trabalha nas eleições está, muitas vezes, mais interessado nas folgas que vai ter no trabalho, do que em quem vai ser o próximo prefeito.

O eleitor que é filiado a um partido de esquerda vai votar na certeza de eleger seu candidato. Faz boca de urna e veste-se de vermelho, põe um boné do MST e vai à luta. Geralmente é fiscal do seu partido.

O eleitor de direita é mais discreto. Mas também faz boca de urna e pede votos de forma reversa. Pede para não votar em comunista.

Idosos que votam opcionalmente têm seus motivos. Gostam de votar e exercer a cidadania. Ouviram falar que o voto faz prova de vida junto ao INSS. Outros acreditam que a Justiça Eleitoral pode informar a abstenção à Previdência. Podem achar que morreram e ter o benefício suspenso.

Sem contar os idosos que vão votar para sair de casa e participar da muvuca eleitoral.

Um adolescente me contou que tirou seu título porque participou de um projeto em sua escola. E também para impressionar a namorada.

Há os revoltados. Vão votar para não ter o salário suspenso. E votam em branco.

Há os conscientes. Votam com prazer e acreditam na importância do voto e da Democracia.

Há o eleitor corrupto. Mas fiel. Recebeu duzentos reais para votar em determinado candidato. E cumpre com sua palavra. Mas há o corrupto infiel. Recebe dinheiro até de mais de um candidato e vota em outro. Há o infiel ingrato. Recebe dinheiro e vota em branco.

Existem ainda, claro, os que financiaram campanhas e pretendem contratos ou empregos no Poder Público.

 Por fim não podemos esquecer os eleitores do Distrito Federal. Não há prefeitos nem vereadores em Brasília. Estão dispensados neste pleito. E você, caro leitor? Em que tipo de eleitor você se enquadra?