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| Lloyd Bank, em Manaus. |
ensaios, contos & outras prosas
Prisca Agustoni
lendo Bertolt Brecht
em noite de chuva
O poeta vive em estado de exílio
– dentro e fora do perímetro
inexato do verso, em perene risco
de infarto
– sempre tendo seu inimigo
preso numa coleira
como cão ao seu encalço
o poeta carrega sua floresta,
a Schwarzwald da infância
na maleta negra,
junto aos manuscritos,
junto aos poucos objetos:
um rádio de seis válvulas,
sua segunda caixa torácica
:boca habitada por outros
com a qual respira
e conspira outra fuga
über die Grenze, noch einmal
nach Norden
:Praga, Svendborg, Lidingö
itinerário de uma queda
infinita rumo ao norte
a floresta segue ao seu flanco
cada dia mais dura
cada dia mais branca
e de lá subir mais, e subindo
in extremis no último vagão
da noite para Vladivostok,
o poeta faz da própria vida
seu maior palco, aberto
à práxis e à ira dos cupins
Pedro Lucas Lindoso
A cada
final de ano, o cronista enfrenta o dilema de escrever uma crônica de Natal que
seja original. Os melhores cronistas brasileiros já esgotaram todas as
possibilidades. E ainda há os jornalistas, articulistas, autoridades
constituídas, pessoas do clero, professores e alunos. Muitos viram cronistas
inspirados numa época em que todos parecem ficar com o coração amolecido. E
então surgem inspirações e ideias para saudar as pessoas e o mundo pelo Natal.
Ninguém
esquece o coitado do peru, não o país, mas a ave. Antes, morria de véspera. Com
o advento do congelamento, morre meses antes. O peru já serviu de personagem
para muitas crônicas natalinas. O Papai Noel nem se fala. A maioria esquece o
aniversariante do dia. Ele que veio Menino para nos salvar.
Quando
procuro inspiração vou para a varanda, olho para o céu, respiro fundo e volto
para o quarto, deito e começo a matutar. Abro o facebook e vejo mais uma do
Professor de português Marcos Neves. Ele sempre aborda curiosidades do
Português, origem de palavras e constantemente adentra em aspectos culturais.
Mesmo porque língua e cultura são conceitos inseparáveis e que se agregam.
Foi
então que fiquei sabendo do “caganer”. Daria uma boa crônica, pensei. Mas
fiquei apreensivo. Pode ser desrespeitoso e até herético. Mas, ante a busca por
originalidade, resolvi apostar. Depois que a miss Brasil se vestiu do Nossa
Senhora e não houve protesto da Igreja, tudo é possível.
O
Caganer é um bonequinho típico de Barcelona, na Espanha. É figura tradicional de
Natal. Trata-se de um boneco camponês agachado, com calças abaixadas, defecando
no presépio, simbolizando boa sorte, fertilidade e prosperidade para o ano
seguinte. Como fazemos na Semana Santa com o judas, enforcando uma celebridade
ou um político, o caganer pode “homenagear” alguém. Uma figura pop, um político
de destaque ou qualquer celebridade do momento.
O
presépio catalão reúne os personagens comuns em qualquer presépio tradicional.
Lá estão Maria e José, o menino Jesus na manjedoura. Há os animais e alguns
pastores. Mas você irá encontrar um pequeno boneco escondido entre os
personagens tradicionais com as calças arriadas, fazendo discretamente suas
necessidades. O caganer geralmente se veste com calças pretas, camisa branca e
o clássico boné catalão vermelho chamado de barretina. Às vezes, ele aparece
fumando um cachimbo e lendo um jornal. É a parte engraçada de algo que deveria
ser muito sério, explica o povo de Barcelona. Uma cidade alegre, cosmopolita e
irreverente. O boneco é tão popular que conta com a sua própria sociedade, a
Associação dos Amigos do Caganer. Alguém aí se arrisca a colocar um caganer em
seu presépio? Fica a dica!
Vórtex
Anna Apolinário
Com audácia, manejar
os gumes da fala.
Em êxtase,
no deserto da lauda
exaurir o sangue,
signos em agudo auge.
Incansável navalha,
na retina, exato entalhe.
Tensionar a entranha,
instaurar o arremate.
Dar de comer ao verbo
a própria carne,
o corpo doado
a tudo o que for delírio,
demolição.
Este talento obscuro,
infernal júbilo,
labuta e consumição.
Pedro Lucas Lindoso
O
Brasil é um país continental. A língua oficial é o Português. Mas há outros idiomas falados por
brasileiros. Diversas tribos indígenas espalhadas pelo Brasil conservam seus
idiomas nativos. O interessante também é que estados e regiões, além do sotaque
característico, há palavras e expressões próprias. Em Minas temos o “uai”. Na
Bahia e grande parte do Nordeste usa-se muito “oxente”. No Pará e Amapá é comum
a interjeição “égua!”. E “pai d'égua!”.
O
paranaense fala muito “dai". Daí. No Amazonas, a corruptela de "tu és
leso" virou “teleso”. “Bá!” “Tche!”. Exclamam os gaúchos. “É capaz”,
responde o catarinense. Esses são poucos exemplos, a diversidade é grande.
O
Brasil não é apenas extensão de mapa. O país é um mosaico de vozes. Cada região
carrega um timbre próprio, que revela memórias, calor humano e formas distintas
de perceber o mundo.
Em
Minas, o “uai” não é apenas uma palavra, é um ritmo de esperar, duvidar e,
principalmente, de exercer aquilo que os mineiros chamam de mineiridade.
Para o
nordestino raiz, o “oxente” acena como um alarme suave: é quando a surpresa se
encontra com a resistência. Oxente não é dúvida só: é celebração da
persistência, é rir do tropeço enquanto se segue em frente.
Na
nossa Amazônia, a fé na palavra é tão forte quanto o rio. Interjeições como “égua”
e “pai d'égua” atravessam a conversa como flechas de humor, lembrando que a
expressão pode ser ferramenta de afeto, de provocação ou de proteção.
No
Paraná, se diz “dai” quase como um abrir de portas E também de fechá-las, daí.
Então, vamos além do imediato, daí. Quando a fala se abre o caminho. Entre
araucárias, rios, e entre nuvens de terra e memória. Daí, dando ênfase ao final
de frases.
Enquanto
aqui no nosso Amazonas, o falar ganha o som da floresta: tu és leso se
transforma em “teleso”; “tu é doido”. Reflete o espanto ou indignação. Coisas
que perduram na garganta dos amazonenses. No nosso Amazonas, as palavras
escapam e se entrelaçam na riqueza de uma diversidade linguística própria. Como
é nossa diversidade de frutas e plantas. Entre samaúmas e cipós. E como o vento que bate nas sapopemas,
carregando histórias de quem vive nos beiradões dos rios ou na Manaus urbana de
todas as gentes e cores.
O
gaúcho exclama palavras e expressões, como quem monta a frase sob o céu aberto.
O paulista costura a vida com palavras e gírias de megalópole. Enquanto os
cariocas exportam e amplificam o português gostoso das novelas.
Essas
expressões não são apenas curiosidades. São redes de memória, identidade e
pertencimento. A língua é um mapa de gente, que nos mostra que no Brasil não
existe um falar único. Mas uma sinfonia de vozes que se conversam, às vezes se
desafiam, mas quase sempre se reconhecem como parte do mesmo chão. Que possamos
ouvir mais, rir mais, aprender com o outro sem perder o próprio timbre. Porque
é na convivência entre sotaques que o país revela sua riqueza: não apenas no
que dizemos, mas no modo como dizemos.
Alma corsária
Claudia Roquette-Pinto
De tanto sono me baixa uma lucidez estranha
em que a amendoeira pousa, luminosa, rara,
sob o fundo escuro da noite meio baça
(cilíndrica, roliça, bizarra)
seu vulto verde acocorado sobre a água
da piscina que não tem um pensamento.
Eu sinto inveja dessas águas anuladas
tão plácidas, idênticas ao próprio contorno
enquanto eu mesma nem sei onde começo,
quando acabo
e sofro o assédio de tudo o que me toca.
O mundo ora me engole, ora me vara
e tudo o que aproxima me desterra.
Chorei, ao ver no chão da cela,
o botão arrancado na contenda,
os óculos pisados do escritor judeu.
Tenho um coração que estala
com o peteleco das palavras de Clarice.
Numa vila miserável na Bahia,
um negro lindo, lindo,
dança ao som do corisco
– e só me apaixono por casos
perdidos,
homens com um quê de irremediável.
Mais de uma vez, imóvel, circunspecta,
vi abrir-se a máquina do mundo
sob a luz inclinada de Ipanema,
na Serra da Bocaina, no meio da floresta,
no alto da escada no topo do morro
por onde a moça sequestrada vinha subindo
debaixo das lágrimas do pai.
Mais de uma vez meu coração trincou feito vidro
diante da página impressa,
e sempre que a palavra justa vem tirar seu mel
de dentro da copa do desespero de amor.
Acredito, do fundo das minhas células,
que uma amizade sincera é o único modo de sair da solidão
que um espírito tem no corpo.
Sim, eu acredito no corpo.
Por tudo isso é que eu me perco
em coisas que, nos outros,
são migalhas.
Por isso navego, sóbria, de olho seco,
as madrugadas.
Por isso ando pisando em brasas
até sobre as folhas de relva,
na trilha mais incerta e mais sozinha.
Mas se me perguntarem o que é um poeta
(Eu daria tudo o que era meu por nada),
eu digo.
O poeta é uma deformidade.
Pedro Lucas Lindoso
Tia
Idalina, como sempre, adora bater um papo via Whatsapp. Eu muitas vezes ligo para titia para saber as
novidades. Ela sempre tem uma opinião sobre fatos, podcasts, notícias de jornal
impresso, programas de TV e outras mídias.
Idalina
assiste a concursos de miss. Disse-lhe que achava esses concursos um tanto démodé.
O charme dos anos sessenta e setenta não existe mais. As moças de hoje ficam
todas muito parecidas, com idade indefinida. Antigamente as misses eram garotas
solteiras, com, no máximo, 24 anos. Hoje há mulheres casadas e algumas quase
balzaquianas, sem querer ser incorreto ou misógino.
Ela
concordou comigo. Mas assiste para ver até onde vai a falta de bom senso e a
ousadia da produção. E o nível de despreparo e cafonice de algumas candidatas.
Então o assunto foi o Concurso de Miss Universo 2025. De acordo com Idalina
este é o mais prestigiado e possivelmente o mais antigo.
Foi no
certame de 1954 que a baiana Martha Rocha ficou em segundo lugar por ter duas
polegadas a mais. Como se sabe, nos Estados Unidos não se usa metro e
centímetros. Ora, uma polegada equivale a 2,54 centímetros. Então Martha Rocha perdeu
por pouco mais que cinco centímetros. Titia me disse que foi na cintura. O
traje típico de Martha Rocha foi, evidentemente, de baiana. Fez sucesso.
O
Amazonas não esquece a sua eterna miss Terezinha Morango. Também ficou em
segundo lugar. O traje típico de Terezinha também foi de baiana. Hoje seria de
cunhã-poranga. Mas naquele longínquo ano de 1957, o traje típico oficial das
brasileiras era de baiana, graças a famosa Carmen Miranda.
Sobre o
assunto traje típico, Idalina me disse que nesse ano a brasileira se superou na
questão de falta de senso, desrespeito, cafonice e quiçá um ato de heresia.
Como assim heresia, perguntei. E ela indignada, estupefata e até certo ponto
nervosa, disparou:
–
Aquela pequena nossa representante teve a audácia de se fantasiar de Nossa
Senhora Aparecida. Quando vi aquilo quase tive um troço. Traje totalmente
inapropriado. A moça errou feio. Em outros tempos poderia ser excomungada. Eu
já vi de tudo nessa vida. Mas esse tipo de heresia é a primeira vez. Não se
brinca nem se desrespeita Nossa Senhora. Vestir-se de Nossa Senhora Aparecida
para desfilar no Miss Universo foi algo inadmissível. Perguntei-lhe onde havia
sido o concurso. Ela me disse que foi em Bangkok na Tailândia. Quem venceu foi
a mexicana. Ora, a brasileira poderia ter ido de baiana! Aquilo não é traje
típico. É traje atípico.
Poemas aos homens do nosso tempo
Hilda Hilst (1930-2004)
III
homenagem a
Natalia Gorbanievskaya
Sobre o vosso jazigo
— Homem político —
Nem compaixão, nem flores.
Apenas o escuro grito
Dos homens.
Sobre os vossos filhos
— Homem político —
A desventura
Do vosso nome.
E enquanto estiverdes
À frente da Pátria
Sobre nós, a mordaça.
E sobre as vossas vidas
— Homem político —
Inexoravelmente, nossa morte.
Pedro
Lucas Lindoso
Tive um
papo muito engraçado com tia Idalina domingo passado. Uma pessoa, já concursada
como funcionária pública federal, que foi ao México assistir à Copa de 70. Com
esticada em Acapulco. Não pode ter só 70 anos. Aliás, por ter ido passear em
Acapulco já denuncia que titia não é mais uma menina. Ninguém vai lá depois de
Cancún.
Mas o
assunto não é esse. No prolongado bate papo via Whatsapp, titia, horrorizada,
descreveu o casamento do sábado anterior. Filha de uma amiga de praia.
Riquíssima. O marido ficou milionário quando ganhou uma licitação para vender
quentinhas para o estado, município e presídios federais. O noivo também ficou
rico de uma hora para outra. Montou uma startup e fez sucesso imediato.
Dinheiro não falta. Mas falta bom senso.
Na
decoração da igreja havia tantas flores que dizer que estava extravagante é
elogio. Um mural verde com flores à esquerda tampava a Imagem de Nossa Senhora.
À direita não se via a imagem do santo padroeiro.
Havia
60 casais de padrinhos. 30 do noivo e 30 da noiva. Um exagero. O noivo entrou
com o Hino do Flamengo. O vestido da noiva, levemente transparente e decotado.
Segundo Idalina, inadequado para um ato religioso. Dois cachorros vestidos de
Flamengo entraram para as alianças. Que na verdade chegou por um drone.
A
recepção foi num enorme salão transformado em Maracanã. Com trave, juiz e tudo.
No placar FLAMENGO 5 VISITANTE 0. Os convidados recebiam a última versão da
camisa oficial do Flamengo. Alguns convidados substituíram o paletó pela
camisa. Outros recebiam o mimo com um leve constrangimento.
Uma
banda liderada por uma cantora habitué do Domingão animou a festa até altas
horas. A única coisa elogiável, de acordo com tia Idalina, foi o buffet. Comida
e bebida farta e gostosa.
O bolo da noiva era tão gigantesco que os
noivos sumiam nas fotos. Aliás. havia uma equipe fotografando e filmando para
os noivos. Mas quatro casais de padrinhos também contrataram equipes de
cinegrafistas. A grande quantidade de
profissionais atrapalhou a celebração e deixou o padre celebrante irritado. A
homilia foi sobre humildade e temperança. Os noivos não entenderam o recado.
Mas alguns convidados sentiram vergonha alheia.
No
final, a cerimonialista desmaiou. Chamaram o SAMU. Como diria a saudosa Danuza
Leão, uma coisa!
Minha família
Solano Trindade (1908-1974)
À Dione Silva
Minha família é incontável
eu tenho irmãos em todas as partes do mundo
minha esposa vive em todos os continentes
minha mãe se encontra
no Oriente e no Ocidente
meus filhos são todas as crianças do universo
meu pai são todos os homens dignos de amor
Por que chorar pelo amor de uma mulher?
Por que estreitar o mundo de um lar
por que prender-me a uma rua
a uma cidade, a uma pátria?
Por que prender-me a mim mesmo?
Oh! Bandeiras,
Enfeitai os meus caminhos!
Oh! Músicas,
Ritmais os meus passos!
Oh! Pares, vinde para que eu baile
E possa conhecer todos os meus
Parentes.
Marco Neves, linguista e filólogo português, ensina pela
Internet que há palavras em outras línguas que não têm equivalência na nossa. E
citou a palavra “merak”, do servo-croata. Significa o prazer em fazer coisas
simples. Como reunir amigos para “petiscar”, tomar uns drinques e conversar.
O saudoso Armando de Menezes, sentindo um formidável “merak”,
reunia académicos e amigos para encontros, sempre às sextas, na antessala da
biblioteca da Academia Amazonense de Letras.
Certa vez, Max Carphentier lembrou aos confrades que na outra
sexta seria feriado. Portanto não haveria o “chá do Armando”. Foi obviamente
uma alusão sarcástica ao famoso chá das quintas entre os acadêmicos da ABL.
Academia Brasileira de Letras. O chá da ABL teve início como um gesto de
cordialidade do fundador Rodrigo Octavio. O chá das quintas-feiras se tornou um
rito da ABL para confraternização exclusiva dos acadêmicos.
O nome “pegou”. O chá do Armando saiu dos muros da Academia
Amazonense e democratizou-se. Patrocinado pelo inesquecível Armando de Menezes,
o chá aconteceu na residência de Anísio Mello, no Sebão Antônio Diniz, no
antigo conservatório de música da Joaquim Nabuco e no Ideal Clube. Além de
outros locais menos cotados.
Participar do chá do Armando sempre foi um “merak” tanto para
Armando quanto para os intelectuais, músicos, artistas, escritores, poetas e
académicos que se agregaram a confraria. Democrática e aberta a todos e todas.
Fábio Augusto, doutorando em História, frequenta o chá desde seus 16 anos. Dos
membros da Academia Amazonense que efetivamente tornaram-se assíduos e
“militantes chazistas”, além do próprio Armando, o Almir Diniz e o Zemaria
Pinto.
O chá das cinco é uma instituição inglesa, como o Big Ben e a
pontualidade britânica. No nosso país, chá ficou sinônimo de encontro entre
senhoras da sociedade para coscuvilhice e planejamento de alguma ação para os
mais necessitados. O da ABL é restrito aos membros da ABL.
Já aqui em Manaus o chá tornou-se sinônimo de reunião entre
amigos e amigas que gostam de conversar sobre livros, música, cinema e artes em
geral. Ou simplesmente exercer o “merak”, esse prazer simples e fundamental.
Reunir-se com amigos para comer, beber e conversar. Um merak.
Com o falecimento de Armando de Menezes e do Almir Diniz
alguns chazistas eméritos decretaram o fim do chá. Então foi criado o chá do
Diniz. Outros criaram confrarias cujo patrono é o Armando. Há o chá do João
Pinto. Há o chá que se tornou simplesmente “o chá”. Com objetivo e composição
bem diversa do “chá de madames” do sudeste. E você, querido leitor ou leitora.
Qual tipo de chá você exerce seu merak?
Balada a favor das últimas manifestações
Fabrício Corsaletti
A favor dos sem partido
sem dinheiro pra passagem
a favor dos estudantes
emperrando as engrenagens
a favor de uma garota
que tinha um olhar selvagem
e carregava um cartaz
escrito apenas “CORAGEM”
vou às ruas e hoje escrevo
uma balada-homenagem
vi um velho de muletas —
velhice = jardinagem —
caminhar cinco quilômetros
na maior camaradagem
vi uma mulher dançando
com seus cabelos na aragem
do alto de um edifício
incentivando a passagem
da passeata — e por isso
rendo aqui minha homenagem
que o governo não ignore —
nem se esconda na folhagem
da retórica política —
essa universal mensagem
pra que a esperança não morra
depois de nadar, na margem
nem a justiça se torne
piada, rancor, miragem
ao eventual ouvinte
do poder, presto homenagem
dói o dia, dói a vida
dói em cada cartilagem
à dor, que nunca termina
me doo nesta homenagem
Pedro Lucas Lindoso
A
cultura surge, segundo alguns antropólogos, quando o homem começa a cozinhar.
Já se comia jaraqui moqueado aqui há muito tempo. Estudos arqueológicos nos
mostram evidências de uso controlado do fogo, incluindo cozimento e manipulação
de calor, por volta de 8.000 a 6.000 anos atrás. Há ainda sítios com indícios
de cozimento em cerâmica, em ambientes de cozinha primitiva, entre 4.000 e
2.500 anos atrás.
Alguns
antropólogos dizem que a cultura começa quando o incesto é reconhecido. O homem
aprende quais mulheres pode e as que não pode acasalar. Esses fatos, como me
ensinaram na disciplina Introdução à Antropologia, tornaram os humanos
diferentes dos animais. Também é
ensinado como surgimento da cultura.
Eu
entendo, na minha concepção de leigo em Antropologia, que a cultura nasce
quando o homem começa a cozinhar. Mesmo porque muitos comportamentos de
acasalamento são influenciados por instintos, sinais químicos, visuais e pelo
ambiente. O incesto pode ocorrer, mas várias espécies possuem mecanismos que
reduzem a chance de acasalamentos entre parentes próximos.
Na
minha opinião a culinária deve ser o ponto chave do início da civilização
humana. Até hoje, grupos étnicos, regiões, cidades, países e até continentes
tem culinária, ou mesmo determinada comida ou prato que os caracteriza.
Quem
disse que a cultura dos povos originários é inferior a cultura dos
colonizadores europeus? Há quem acredite.
Mas é obrigação de todos nós respeitar e preservar. Há pelos menos 8.000
anos, repita-se, se come jaraqui moqueado ou cozido por aqui. Começaram a
substituir pirarucu por bacalhau tem pouco tempo.
É
preciso respeitar e preservar a cultura daqueles que cozinharam antes de nós.
Muitas evidências são indiretas como microrresíduos alimentares, carvão
vegetal, padrões de acidentes de fogo. E
as datas costumam ter margens de erro de algumas centenas de anos. Mas isso não
importa.
Por
outro lado, os indígenas sabem muito bem com quem casar para evitar
degeneração. Cientes de que a consanguinidade pode aumentar a frequência de
mutação genética e doenças recessivas. Muitas tribos planejam os casamentos com
mais expertise do que “europeus civilizados e seus descendentes”.
É
importante preservar a cultura de quem chegou e cozinhou há milênios atrás. Mas
nem todos pensam assim. Eles vivem até hoje protegendo e respeitando a
natureza. Fazendo extrativismo sustentável baseado em conhecimentos ancestrais.
É essencial respeitar os indígenas. Sempre. Atenção, COP 30.