Traduttore, traditore. Traduzir poesia só pode ter duas finalidades: ganhar uma grana ou recriar o original, no sentido poundiano de “crítica via tradução”, que pode se originar de algo do tipo “li uma tradução, mas não gostei; faço melhor” – o que não deixa de ser uma forma de crítica, muito criativa. Mas o ditado italiano – “tradutor, traidor” – sempre corre o risco de se concretizar, qualquer que seja o caso. Aliás, alguém (quem, mesmo?) já disse que, numa tradução, a poesia é exatamente aquilo que se perde.
Como eu sei que não tem grana no jogo, fica apenas a certeza de que Jorge Bandeira, mais uma vez, optou pelo risco. Aliás, é escrevendo perigosamente que ele constrói sua obra. Sempre no limite. Sempre à margem – do óbvio e do oblívio. E a edição é bilíngüe: para mostrar que não tem nada a esconder.
Traduzir Lewis Carroll é duplo desafio: o texto, tempossacralizado, intocável, é muitas vezes intraduzível – para quem teme o humanum experimentum, legado de Prometeu: só desafiando os deuses podemos merecer a consciência humana. Eva intuiu isso: ao provar do fruto do conhecimento, arrastou Adão para trás da primeira parreira que encontrou e deu uma banana à serpente.
Nascido Charles Lutwidge Dodgson, Lewis Carroll (1832-1898), inglês, filho de um pastor anglicano, diplomado em matemática por Oxford, dividiu seu tempo de adulto entre lecionar matemática e lógica, escrever poesia e ficção para crianças, e fotografar muito – menininhas, em poses lânguidas, numa época em que esse adorável passatempo ainda não era satanizado. Além de um belo álbum com essas fotos, deixou-nos o sublime “Alice no país das maravilhas” (1865) e seu complemento “Através do espelho e o que Alice encontrou lá” (1871), que formam com este “A caçada do Snark” (1876) a sua trilogia do absurdo. Carroll joga com a linguagem e a lógica, e, como bom matemático, autor de “Euclides e seus rivais modernos” (1879), com os paradoxos que contradizem a concepção ordinária de espaço e de tempo.
Para você imaginar o que vem a ser um Snark, o nosso herói, ou melhor, a nossa caça, pense em um híbrido de serpente (snake) e tubarão (shark). E embarque com o leiloeiro nessa equação plena de nonsense.
(Zemaria Pinto - apresentação de A caçada do Snark)