(Entrevista ao caderno Muito + JC, do Jornal do Commercio, em 16.01.09)
O escritor Zemaria Pinto, fala sobre o impacto das mudanças ortográficas da língua portuguesa, iniciadas em 1º de janeiro.
Seu nome oficial é José Maria Pinto de Figueiredo, mas ele prefere que o chamem de Zemaria Pinto. É amazonense de Manaus, onde reside desde sempre, mas, por mero acaso, nasceu em Santarém, no Pará. É formado em Economia, com pós-graduação em Análise de Sistemas e em Literatura Brasileira, embora uma coisa não tenha nada a ver com a outra.
Autor de sete livros, desde 2004 ocupa a cadeira nº 27, na Academia Amazonense de Letras, cujo patrono é Tavares Bastos. Uma de suas características, e qualidades, é se empenhar em divulgar a literatura, com destaque para a amazonense.
Muito + JC: Desde o dia 1º de janeiro estão valendo as mudanças na ortografia da língua portuguesa. O que você achou dessas mudanças?
Zemaria: Vou sentir saudades do trema. Para nós, do Brasil, as outras mudanças foram para melhor.
Muito + JC: Em 1971 foi feita uma mudança similar a essa. Você acha que ainda cabem outras mudanças ou a língua portuguesa, nos oito países que a falam, agora está unificada?
Zemaria: Lembro perfeitamente dessa última mudança. Eu fazia o ginásio, na época, e não ganhei nenhum trauma por isso. Aliás, lendo livros editados antes dessa reforma, dou-me conta de quanto ela foi positiva, no sentido de simplificar o uso da língua. O idioma não é um monumento imutável; ele é um processo dinâmico: está em constante metamorfose. Essa tentativa (ainda não acredito que vá dar certo, embora torça por isso) de unificação é positiva. Se ela der certo, é necessário que, de tempos em tempos, se faça uma revisão, pois as mudanças naturais que ocorrem em um país não ocorrem em outro. É uma questão cultural. É como fazem os países de língua espanhola, que é unificada.
Muito + JC: A língua portuguesa, pelo menos no Brasil, é bastante mutável. Você acredita que isso, a longo prazo, não torna, novamente, o português (no Brasil), passível de outro processo de unificação com os demais países?
Zemaria: Foi o que eu disse antes. Todas as línguas são mutáveis, são organismos vivos. Dentro de um determinado prazo, 20 a 30 anos, deverá haver uma revisão, sim. Principalmente, com relação a novas palavras.
Muito + JC: Será que essas mudanças não vão "bagunçar" a cabeça dos alunos da disciplina de português, afinal, nossa língua é bem complicada, difícil de ser dominada completamente, e ainda fica sendo mudada.
Zemaria: Todas as línguas são complexas. O português não é mais difícil que nenhuma outra língua. Quanto à modificação, ela acontece cotidianamente, sem que sequer nos demos conta. Agora, cá entre nós, a cabeça dos alunos, mesmo os de nível "superior", já é bem bagunçada. Não acredito que essa reforma vá complicar nada. E é uma boa oportunidade para os professores acomodados, que acham que já não têm mais nada a aprender, abrirem novamente a gramática.
Muito + JC: O que de bom e o que de ruim resultará com essas mudanças?
Zemaria: O que eu vejo de extremamente negativo é o fim do trema. As outras mudanças vieram para facilitar o uso da língua. Essa é uma visão, reconheço, colonialista. Sei que grandes escritores portugueses, Saramago entre eles, ofenderam-se com a mudança, que teve um foco no Brasil. Já os africanos adoraram, porque eles já estão acostumados com o português "brasileiro". Tem o aspecto econômico, também. Uma edição de livro brasileiro não precisará ser "traduzida" para ser vendida em Portugal e nos outros países. O inverso também é verdadeiro. Todos ganham com isso.