Jorge Bandeira
Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas
Que já tem a forma de nosso corpo.
Esquecer os nossos caminhos,
Que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia e se não ousarmos fazê-la
Teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos
Na perna nua de Cleo Pires, na capa da Playboy de agosto, esta frase lapidar sobre o que nos une e nossa árdua tarefa como naturistas de levar a mensagem na nudez natural. Não sei quem é o autor dessa frase que foi pintada na perna grossa (procurei e procurei, mas não achei), e segundo as informações, sem photoshop, de Cleo Pires. Não compro a Playboy, deixei de ler revistas masculinas há muito tempo (ah, mocidade tempestuosa!), mas apareceu aqui por casa um exemplar (meu sobrinho fez uma cota com minha tia Alzeneide e comprou) e logo me chamou a atenção a frase acima, logo de cara, na capa da revista.
A poesia é uma fonte importante para os naturistas, e ela tem o poder de colocar o corpo nu na ordem do dia, levando a sensibilidade ao leitor. Muitos escritores e poetas já escreveram sobre esta maravilhosa naturalidade, sem preconceitos e pudores ressentidos. Drummond talvez seja o caso ímpar de grande poeta que teve na nudez uma de suas mais gratas satisfações estéticas na obra poética. O Corpo Natural é o seu livro poético onde o corpo, e a nudez, por extensão, é matéria de primeiro plano.
Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas. Aqui nosso poeta nos convoca para uma iniciativa, um devir, que muito representará em nossas vidas, e neste momento, tenhamos a certeza, estamos já com as minorias naturistas. O termo Naturista aqui deve ser entendido no seu sentido histórico, tradicional, seguindo os conselhos perpetrados na Suíça, em 1953, quando esse conceito envolveu a ética, a nudez e o meio ambiente como indissolúveis.
As roupas já têm a forma de nosso corpo: elas nos condicionaram a tantos preconceitos, de toda ordem, não só em relação à nudez. Estética, aqui, é a palavra que nos salta aos olhos e mentes. A ditadura das modas, o enorme fosso social entre ricos e pobres. Já pensamos em fazer uma campanha na periferia para levar todos ao Naturismo, ou seria utópico de minha parte, e continuamos a ter um Naturismo elitista, feito na tangente do turismo, de modo específico, direcionado, só tendo condições de ficar nus e nuas aqueles ou aquelas que possuem o vil metal para esse tipo “nobre” de divertimento e filosofia de vida? Perguntas que me assaltam na calada da noite, em meus sonhos intranquilos, tal qual um Kafka que questiona o estar no mundo, mundo do Naturismo, mas que pensa também no que não usufrui o outro lado, os pobres que vestem roupas. Porque só eu tenho dinheiro para ficar nu ou nua, em convívio social, com segurança, com o respaldo de um grupo e/ou Federação? Perguntas, perguntas.
Esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. Há sempre uma rota nova para ser alcançada, deslumbrada, vista de outro ângulo. Quando estamos nus e nuas, vestidos de nossas queridas e muitas das vezes calejadas peles, sentimos uma sensação de mudança interior, nós, naturistas, não tenhamos dúvidas dessa assertiva, mas só isso não basta para mudar verdadeiramente algo.
Este algo chamado Naturismo precisa de uma reflexão que perpasse ódios, raivas e rancores. Estes, sim, representam uma volta em círculos, ao mesmo lugar, um retrocesso. O naturismo já é um velho senhor, e não tem mais tempo a perder. No Brasil, de forma organizada, já almeja aos 60 anos, no mínimo. Desde Luz del Fuego, e aqui nem coloco a tão complexa questão do índio naturista, que merece outro artigo, mas veja, são anos e anos de uma experiência naturista em território brasileiro, onde temos nomes importantes, anônimos que às vezes são até mais importantes que os baluartes do Naturismo. É um fato, a História é feita pelos vencedores. No Naturismo não seria diferente.
É tempo da travessia e se não ousarmos fazê-la teremos ficados para sempre à margem de nós mesmos. Tirar a roupa é muito simples, extremamente fácil, o passo seguinte é que são elas: vestir-se de nada, eliminando rancores e preconceitos, ajudando, no tempo exíguo que lhe resta em seu cotidiano, na construção da história coletiva do Naturismo organizado no Brasil. Não é fácil, sei disso. Mas não é impossível dedicar uma hora, pelo menos, a esta tarefa, o pensar sobre o Naturismo.
Não para escrever ou algo parecido, mas apenas parar um pouco e refletir sobre o Naturismo em sua vida e nos que lhe abraçam neste caminho ou mesmo criticam esta causa filosófica de existir sem estar com uma etiqueta sobre o corpo. O homem-etiqueta que compra a Playboy tem vergonha de ficar nu, lembre-se, você pode convencer esse homem-etiqueta com sua prática social de que esta nudez da Playboy é útil somente aos donos da revista.
As mulheres (todas as coelhinhas!) também são vítimas, mesmo com seus astronômicos cachês. E por falar nisso, para não dizer que usei a revista só para criticar, aconselho a leitura da Playboy deste mês de agosto de 2010: está com muitas reportagens boas e que nos fazem pensar no Brasil. Esqueçam a Cleo Pires, leiam o que está na perna dela na capa. Sei que é difícil, mas não é, de todo, impossível.