Zemaria Pinto
O homem ocupa o espaço
VII
Mas nem sempre o dia é do pescador. Os poemas “Piranhas”, de Trilha dágua, e “Jacaré”, de Poemas da água e da terra, retratam o conflito natural entre o homem e seu meio. “Piranhas” descreve a viagem do gado, da várzea à terra firme, fugindo da enchente e o sacrifício de uma rês tresmalhada:
As águas se agitam
no rude festim,
e em poucos instantes
só resta o esqueleto.
O pequeno romance “Jacaré” narra a história do pescador Dico, que sai à caça do “jacaré-preto crescido / pra cima de quatro metros” e, quase uma semana depois, não retorna. Dico sabia dos riscos, mas a recompensa lhe era irrecusável:
Regatão passou dizendo
que jogava preço alto
no couro de jacaré:
fogo, pilha, sal, anzol,
sabão, conserva, tabaco,
cartucho, chumbo, espoleta,
pólvora, linha, terçado,
remédio pra impaludismo
e outras tantas precisões.
O regatão foi embora e Dico não retornou. A curva do rio, imóvel, guardará a lembrança da partida e a esperança do regresso:
E eu, testemunha da ausência,
no fim da tarde sombrio
lanço perguntas ao rio:
por onde Dico andará?
Vitor Manuel de Aguiar e Silva, na sua Teoria da Literatura, caracteriza o texto narrativo como “uma sequência de eventos, comportando como elemento estrutural relevante da sua forma de conteúdo a representação do tempo”. É interessante observar nos dois poemas anteriormente citados a facilidade com que Alcides Werk transita também nesse terreno, distanciado do lirismo usual. Outros poemas como “Amazônica” e “Facheação” também podem ser vistos sob esta ótica, uma vez que representam um sequência de eventos, além de terem uma representação temporal histórica, dentro de um espaço físico e social claramente delimitado.