Amigos do Fingidor

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Lepra bíblica: a certeza da exclusão social

João Bosco Botelho



Poucas doenças causaram tanta certeza antecipada do sofrimento e da exclusão social quanto a lepra. A palavra “zaraath”, oriunda da tradição oral do hebreu, apareceu no Antigo Testamento, entre os anos 587 e 538 a.C.. As passagens descritas no Levítico, onde essa palavra é encontrada, foram traduzidas equivocadamente para o grego, na Bíblia dos Setenta, destinada aos judeus da Dispersão, como sendo sinônimo de lepra. Posteriormente, a versão latina, a Vulgata, manteve a mesma errônea compreensão. Mesmo com as dúvidas que persistem do real significado dessa doença, naqueles tempos, ficou marcada como uma forma de castigo de Deus.

Sob a terrível marca de doença ligada ao castigo divino, em poucos séculos, a lepra alcançou o Sudeste da Ásia, a Indonésia e o Leste do Japão. A doença transportada pelos exércitos de Dario e Alexandre alcançou o Oeste e o Oriente. Os comerciantes fenícios contribuíram na difusão mediterrânea e as legiões romanas se encarregaram de propagá-la na Europa e no Oriente médio.

No medievo europeu cristianizado, a transcendente imagem de Jesus Cristo curando os leprosos instrumentalizou um dos mais consistentes símbolos da Nova Aliança, transcrita no Novo Testamento, em torno do Deus essencialmente misericordioso e tolerante. A reprodução da bondade de Jesus Cristo com os excluídos do convívio social, descrita pelos apóstolos, fincaram as bases da caridade cristã voltada à assistência aos sofredores, entre os quais, os leprosos constituíam a grande maioria.

Os leprosos foram escolhidos no Terceiro Concílio de Latrão (1179), sob o pontificado de Alexandre III (1159-1181), para receberem tratamento especial dos cristãos e, ao mesmo tempo, reprovar o isolamento ao qual estavam submetidos. A Ordem de São Lázaro foi criada para dar cumprimento às ordens conciliares e o grão-mestre deveria ser sempre um leproso.

No século 13, na Europa, existiam dezenove mil “Xenodochium pauperum, debilium et infirmorum” (Hospital dos pobres, dos fracos e dos enfermos), que funcionavam como leprosários, quase todos construídos com donativos de pessoas que associavam a caridade à salvação pessoal.

Bastava a simples denúncia do vizinho contra alguém suspeito de ser portador da doença para que fosse iniciado o rápido processo de julgamento. Se considerado culpado de ser leproso, a pessoa era isolada em um dos muitos leprosários disponíveis, administrados pelos religiosos das Ordens Hospitalares de São João, dos Antoninos e do Espírito Santo. Desse modo, sem outra opção, incontáveis doentes que sofriam o terror das deformidades provocadas pela lepra, passaram da exclusão errante à exclusão fechada patrocinada pela caridade.