Zemaria Pinto
O homem noturno, a busca da luz
V
O “Soneto IX” – coroamento desses cânticos libertários – é a síntese definitiva da noite que se instaura no país a 31 de março de 1964. O regime de terror encontra em Alcides Werk mais que um simples opositor a protestar. Suas palavras são imagens retiradas a sangue frio de retinas ainda cálidas. Palavras que a boca não dirá jamais. Imagens, apenas.
Fez-se uma curta pausa. E a noite baça
estendeu seus lençóis sobre as cidades.
Ventos frios de morte andavam soltos,
e formas embuçadas destruíam
restos vagos de luz. Alguns senhores
guardaram pressurosos seus haveres
para a estranha vigília dos sonâmbulos.
Nas sombrias e extensas avenidas
as multidões dos homens deserdados
prosseguiram seus ritos no silêncio
de uma noite sem tempo. E os anciãos
das várias tribos foram convocados
para o mister pacífico das aras
e a glorificação das horas mortas.
O “Soneto XII” – o último poema de Trilha dágua – representa a profissão de fé do autor no futuro, futuro que se constrói com o tempo e com o trabalho, indispensável, da poesia:
Impossível voltar, e continuo.
Elaboro miragens e as persigo
com a determinação dos suicidas.
Futuro que virá – o poeta o sabe – não com a manhã. A aurora é a transição entre a noite de terror e a luz do novo dia. O dia toma forma aos poucos. Como a vida. Como os frutos. O poema “Noturno”, presente já em Da noite do rio, ensina como se processa essa mudança:
Um dia, nesta praia deserta,
de onde contemplo os meus ocasos
e somo por somar o tempo inútil,
ela surgirá diante dos meus olhos
(a mesma de sempre),
pousará suas mãos em minhas mãos,
fitará longamente o meu rosto,
para conhecer as marcas da angústia,
e dirá:
– Eis-me aqui novamente.
Ela virá no começo da tarde,
e o sol presidirá sua chegada.
O começo da tarde, o meio-dia, passada a festa da manhã, a embriaguez da luz rompendo a escuridão. Mais que a paixão, o amadurecimento para o amor, para o exercício pleno da liberdade.