Amigos do Fingidor

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A poesia renasce

Jorge Tufic



A meu ver, com este novo livro de poemas, Wender Montenegro já pode se candidatar para uma segunda lista de poetas emergentes, sempre a critério de Fábio Lucas, cuja sensibilidade não perde o sucesso, nem aplaude o equívoco. E veja o leitor que da primeira lista de Fábio não constam nomes badalados; antes, pelo contrário, ela retira os quase desconhecidos da sombra e do nada. Uma página de ouro: Wender dedica um de seus poemas a Francisco Carvalho, no qual extravasa o cântaro de sua percepção diante das metonímias, do caminhar sob pedras, do cais imaginário.

Pintar de ferrugem cada luz e riso; semear gerânios sobre cada grito. Este é um dos pilares em que se assenta o desejo do poeta, ao fazer da linguagem convencional um código fértil do voo que fica torto apenas para fazer a diferença entre o som da harpa e as teclas do piano. Agora o milagre, sempre a nos trazer do hipotético passado as imagens do afeto: o Chevalier de Ipanema, ligado ao Roniquito, amigo de Vinicius de Morais, era filho de meu querido irmão maior Ramayana de Chevalier. Daí porque esta página da coletânea, Ipanema, traz-me de volta a mansão da Dias da Rocha, em Copacabana, onde teria nascido o genial Roniquito, cuja língua viperina ele herdara do pai, que manteve, durante anos, a “Cadeira do Carrasco”, uma coluna do jornal “O Dia”, do Rio de Janeiro.

“Casca de nós”, ou seja, a proteção externa dos suplícios internos, poesia, enfim, é o título que faz destas páginas um abrigo perene aos mais belos poemas de quantos tenho lido, talvez, além de outros recursos, pela audácia metafórica de estrofes como essa, a primeira do poema intitulado “a lua é uma vaca”: a lua é uma vaca do rebanho de Deus / a sua cauda eriçada / mordida pelo ladrar dos cães / assanha as marés. São muitas, contudo, as pausas de encantamento e reflexão contidas neste livro, embora, em algumas, persista ainda o vezo de tematizar o próprio fenômeno poético, como se disto pudesse fluir uma nova Castália de estremecidas benesses.

Nem por isso podemos negar que todos os poemas deste volume número 2 da saga lírica de Wender Montenegro, impressionam pelo modo contencioso dos versos, a preocupação drummondiana com o “estado selvagem” de nosso cotidiano, sendo, inclusive, louvável esta sua adesão aos ínvios atalhos do pântano manuelino de barros, sem deixar de lado o pântano cósmico da Amazônia, sob a flauta do uirapuru.

Poesia é metáfora, revelação, descoberta. Ela não pode servir a nada e a nenhuma causa que lhe tire essa força. A nossa força.