João Bosco Botelho
Compreensão laica
No cotidiano laico anterior ao século 16, a generosidade-bondade se ligava, estritamente, à aristocracia (generosus = nobre). Mais tarde, passou a identificar a nobreza de espírito, específica da pessoa, não mais ligada à família, ao brasão. No século 18, o entendimento da qualidade pessoal se ajustou ao significado que se mantém na atualidade: dádiva.
Dessa forma, fora da abordagem transcendental, nas ideias e crenças religiosas, é possível iniciar discussão teórica da generosidade-bondade entre várias abordagens:
– Platão: no mesmo eixo dos médicos da Escola de Cós, em especial, Políbio, o genro de Hipócrates, que estruturou a teoria dos Quatro Humores, entendendo a saúde e a doença fora do absoluto controle dos deuses e deusas. Platão, nos primeiros livros (A República e O Banquete), negou que o bem viver com autossuficiência ética estivesse relacionado à posse da fortuna (týkhe), onde, em contrapartida, o mal, as catástrofes e doenças ocorreriam na ausência da fortuna. Contudo, mais tardiamente, no Fedro, reabilitou a fortuna moral como pressuposto para alcançar o bem viver, associando a bondade à fortuna;
– Kant (1724-1804)-Blumenbach (1752-1840): genialmente, com análises que beiraram o esplendor da adivinhação, sem terem a menor noção do significado da genética, a partir da conciliação entre os conceitos “epigênese” e “pré-formação”, moldaram reconstruções quanto à possibilidade de haver “impulso para o desenvolvimento” “herdadas por meio das células embrionárias”;
– Heidegger (1889-1976): não é possível entender o Ser e o mundo separadamente, somente ser-no-mundo, nessa condição como ser-que-morrerá, certo da angústia determinada pela morte inevitável, poderá construir dois caminhos: o da alienação e o da autenticidade, onde as presenças da generosidade-bondade e do mal-maldade estão inseridas;
– Memória-sociogenética (1998): esse processo teórico defende a possibilidade futura do desvendar das funções gênicas. O Projeto Genoma, recentemente concluído, somente identificou os genes. O completo conhecimento das funções dos genes possibilitará saber os caminhos das proteínas que regulam as respostas mentais e físicas, ao longo do processo ontogenético, para que os animais de todas as espécies, em especial os humanos, possam fugir da dor e procurar o prazer, aqui compreendido como a fome e a sede saciadas, a garantia do abrigo contra as intempéries, sexualidade-reprodução assegurada, inconformidade com a morte.
As linguagens-culturas se adaptaram às necessidades individuais e coletivas para instrumentalizar e identificar os sentimentos e ações que atuam na sobrevivência da espécie, especialmente, determinando sensações de bem-estar patrocinadas pela generosidade-bondade, atenuando o sofrimento e melhorando as defesas biológicas (não há dúvida de que as pessoas adoecem mais quando estão submetidas ao sofrimento físico ou mental).
A generosidade-bondade ética não está ligada à lassidão! Ao contrário, está amarrada aos sentimentos construídos na ontogênese, como um dos mais importantes instrumentos para ajudar na sobrevivência da espécie; logo, intimamente, atado à técnica, aos saberes.
Esse conjunto complexo da compreensão da generosidade-bondade, nos sentidos religiosos e laicos, como instrumentos de vida, poder ser amalgamado na frase de Gandhi: “A bondade deve estar ligada ao saber. A simples bondade pouco adianta; é o que tenho constatado”.
É exatamente aqui que se unem os ideais das Academias, herdeiras da Academia de Platão, do Liceu de Aristóteles e da Escola de Cós de Hipócrates, transbordantes de generosidades-bondades atadas aos conhecimentos, que instrumentam força de persuasão suficiente para impulsionar construções-desconstruções-reconstruções em prol da educação, como o mais importante instrumento de mudança social.