Paulo Sérgio Medeiros
O sol murupi descasca a noite e encontra-o de bruços amorenando-lhe a tez e enxugando-lhe as costas serenadas de um pesadelo que ainda não acabara. A luz do poste em frente ao teatro da rua da Instalação mantém-se fiel ainda por alguns instantes antes de se despedir do ócio do infeliz e deixá-lo por conta da sua própria sorte.
Pés lentos em saltos quase nenhum mais com o amanhecer da madrugada, vultos de passos firmes e botas apressadas não hesitam em esnobar-lhe. Norberto está capotado ali sob olhares sorrateiros entregue ao flagelo duro da sarjeta. O celular no bolso dianteiro esquerdo toca uma, duas vezes e desliga. Norberto acorda deitado e levanta-se do colchão asfáltico nutrindo por sua vez a esperança de recauchutar a noite anterior enquanto sacode o lençol de poeira em meio a uma dor de cabeça que latejava ainda mais com as badaladas do sino da igreja da Matriz. O display do telefone móvel acusava quinze chamadas não atendidas e uma mensagem não lida. Uma sensação prenhe de curiosidade leva-o a conferir de quem eram as insistentes ligações. A ligeira suspeita bate com o número e a mensagem, Mamãe. Norberto já imaginando o teor da mensagem, prefere não lê-la. Norminha no auge de seus trinta e três anos, como todas as outras mães, só sossegava quando o filho matizava o calabouço de suas preocupações.
Norberto caminha por um túnel de flashes tal qual um filme rico em flashback. Porta bang-bang, penumbra, assovios, muitos assovios. A fome intima-o a parar na esquina dos sucos para embuçar o estômago com pastel de queijo e suco de acerola e enfim dar cabo do que acontecera durante a última reunião das estrelas. Os fios do pensamento puídos pelas muitas doses de felicidade etílica dificultavam montar o quebra-cabeça da porta bang-bang, penumbra, assovios, muitos assovios.
– Olha, não temos mais pastel. Pode ser outra coisa?
– Sim. Então traz um sanduíche. Responde Norberto com olhos famélicos.
Aquele jovem cujos ossos pareciam querer furar a pele estava angustiado entre o passado e o futuro sentindo na pele o dissabor do sanduíche da vida. A traição de sua memória o inchava de perguntas sem respostas que num súbito olhar pareciam vir de carona nas pupilas do atendente da lanchonete, um senhor encarquilhado, mas que ainda gozará o tétrico prazer de mais alguns anos por esse plano terreno. Para alimentar uma família, jornada dupla ainda não era o suficiente ao arauto da recôndita verdade perdida nos porões da madrugada.
– De onde nos conhecemos? Pergunta sofregamente Norberto.
– De onde comprar prazer nunca se tornará obsoleto.
Imediatamente Norberto mergulha a mão no bolso dianteiro esquerdo, apanha o celular para ler a mensagem não lida.
“Meu filho, me perdoa por polir o seu futuro com meu presente imundo.”