Capa da 3a. edição de Lunamarga, 2005. |
Adrino Aragão
Talvez o título lembre o poeta Fernando Pessoa. Não seria pra menos, acho que, de algum modo, somos todos descendentes do vate lusitano. Mas, no caso do presente artigo, o título nasceu mesmo da leitura que fiz de Lunamarga, livro de Alencar e Silva, grande poeta brasileiríssimo, lamentavelmente ainda longe dos holofotes da mídia. Como disse Mário de Andrade: “os brasileiros não conhecem o Brasil”. Parafraseando o mestre, diríamos: o Brasil não conhece os seus poetas. Espalhados por estes brasis, esses poetas tecem e enriquecem, anonimamente, o que se faz de melhor na poesia brasileira.
De fato, existe algo de eternidade na poesia de Alencar e Silva, que, por vezes, nos faz pensar no genial Fernando Pessoa. Não que isto comprometa a sua obra poética. Ao contrário, eleva-a, enriquece-a. E por uma razão: Alencar e Silva tem personalidade de poeta maduro, advinda de leituras constantes, sérias, profundas, conscientes, de grandes poetas, como Pessoa, Drummond, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Cruz e Sousa.
O livro, publicado em 1965, foi reeditado ao término de 2005, numa feliz iniciativa da Editora Valer. O tempo, entretanto, em nada envelheceu o discurso poético do poeta. A começar do título Lunamarga, de forte simbolismo, já anuncia um universo de denso conteúdo existencial. O mundo real se configura no texto sob o aspecto noturno da subjetividade. “Tudo traz sob a pele a sua morte:/ a rosa e o sonho dançam sobre o abismo/ as formas de uma só fatalidade/ trabalhada em equívocos. Sereno ,/ contudo, é o meu semblante: este e o mesmo/ que passeio entre as gentes. A amargura/ é disposta em murais pelas paredes/ do eu profundo – e me espia.”
O poema “Tríptico do espanto”, do qual extraímos os versos acima, como que funda os rumos que a obra poética de Alencar e Silva haveria de seguir em livros posteriores.
Ler Alencar e Silva é um deslumbramento para a inteligência e para a emoção do leitor. Mas o poeta não se entrega fácil. É preciso descobri-lo por trás “dos frágeis cristais embaçados” e captar-lhe a imagem em cada filigrana do poema. E isto exige atenção, sensibilidade e saber. Não o saber que exibe erudição. Mas, principalmente, o saber do pensar. Do refletir. Senão, será perder-se pelos caminhos de um rio profundo que ora corre sereno ora corre veloz. Como o poeta confessa: “Neste barco passageiro/ maldisposto a viajar/ eu me invento rotas novas/ rotas de nunca chegar”.
Mas há momentos de absoluta, ou quase, transparência dos cristais: “Não sei, só sei que eu entrei/ em muitas casas de livros/ como quem vai para o cais...”. É quando os elementos do poema surgem luminosos, fulgurantes: o rio, a lua, a noite, o sonho, a solidão, a morte... – todos envolvidos na pele do tempo, que é medida, corte corrosivo a expor a finitude de tudo. Só a poesia é perene. E através do poema o poeta pode sobreviver.
Essa certeza se me anuncia com a leitura atenta e emocionada de Lunamarga. Tomo de empréstimo os versos do poeta. E canto: “não tenho pátria/ determinada/ nem tenho pressa/ nesta jornada”.