João
Bosco Botelho
A
Medicina apareceu com clareza na estrutura
do pensamento grego, no final do século
5 e nos dois seguintes, de forma tão bem sedimentada, influenciando, marcadamente, os caminhos das práticas médicas no Ocidente, que
perduram até os dias atuais.
O
mais notável desenvolvimento da Medicina grega ocorreu após as guerras médicas (490-479). A partir
daquela época, o médico aparece como agente público intermediando a formação social
e edificando o pensamento coletivo , indo além da busca da saúde .
Empédocles,
médico e filósofo do século 5, utilizou a clepsidra para ilustrar a própria
teoria da respiração, segundo a qual o corpo transpira através dos poros
espalhados por toda a superfície da pele.
A
construção da Medicina ligada à filosofia grega está inserida nas concepções
jônicas da natureza. A influência jônica foi tão grande que toda a literatura
médica daquela época que chegou até nós foi registrada em prosa jônica, apesar
de escrita em Cós, ilha de população e língua dórica. Este fato só pode ser
explicado pelo avanço da cultura e da ciência jônica naquele tempo.
A
importância social do médico como agente na busca da saúde já era reconhecido
desde Homero: O médico vale por muitos
homens. Porém, a consolidação dessa posição foi alcançada a partir da busca
da relação do corpo com a natureza, referida de diferentes modos por Platão
(Prot. 313 D,Gorg. 450 A, 517 E, Rep.298 A e Timeu 78B), onde o médico é fixado
em posição social definida.
Os
vínculos da Medicina com a natureza jônica, que tão bem assimilaram na Escola
de Cós, sob a liderança de Hipócrates, atingia fortemente as relações sociais,
reafirmados em Sólon, que descreveu a conexão das doenças com a administração
da pólis. Baseado nesse pressuposto, Sólon fundamentou parte do seu pensamento
político afirmando que as crises políticas interferiram na qualidade da saúde
coletiva.
Os
elos entre o binômio saúde-doença com a natureza jônica estão nitidamente
presentes na introdução do livro Dos
Ventos, Águas e Religiões, de autor desconhecido, do século V a.C.: Quem quiser aprender bem a arte de médico
deve proceder assim: em primeiro lugar deve ter presente as estações do ano e
os seus efeitos, pois nem todas são iguais mas diferem radicalmente quanto a
sua essência especifica e quanto as sua mudanças.
O
ponto fundamental da Medicina grega, dos séculos 4 e 5, está marcada nessa forte união entre a
filosofia jônica e o conceito de saúde e de doença.
Nessa
mesma época, entre os séculos 5 e 4, a Escola de Cós, que congregou médicos e
filósofos, sob a influência de Hipócrates, recebeu sinais de Platão, que reconheceu
a personificação da Medicina em (Prot.313 B-C e Fedro 270 C). Esse genial
filósofo também criticou a diferença entre os tratamentos recebidos pelos ricos
e escravos (Leis, 857 D e 720 C–D). De modo satírico, explica que os médicos
dos escravos correm de um paciente para outro e dão instruções rápidas e sem falar
com os doentes.
O
interesse do homem culto grego pela Medicina pode ser compreendido na figura do
jovem Eutidemo, que Xenofonte descreveu
como grande entendido da Medicina sem ser médico, e do historiador Tulcídides,
que relatou com incrível minúcia o quadro médico social da peste que assolou Atenas
entre os anos 430 e 427 a.C.
Aristóteles
distinguiu na sua magistral obra Política
(I, II, 1282), o médico do homem culto em Medicina atada à natureza,
estabelecendo o espaço que cada um pode ocupar para melhorar a saúde coletiva.