Zemaria Pinto
Alice
Como gerente de banco,
eu conheci todo tipo de gente. Alice foi a mais estranha, numa escala de um para
mil: ainda hoje tenho pesadelos com ela, um nome sem rosto que me infligiu um
estigma na memória... Em uma manhã chuvosa, atendi ao telefone uma moça que buscava
informar-se sobre operações ordinárias. Sua voz era rouca, jovial e vivaz, e,
de repente, vi-me envolvido em uma conversa que há muito extrapolara o
meramente profissional. Trocávamos informações sobre gostos comuns,
preferências mútuas. Sugeri que conversássemos mais tarde. Ela não quis me dar
seu número, disse que ligaria depois do expediente externo. Era uma situação
comum: casada, ou algo parecido, ela mandava no jogo, sem expor-se a riscos.
Naquela tarde, entretanto, nada aconteceu. Dias passados, já nem lembrava mais
de Alice, ela ligou-me. A conversa estendeu-se por mais de uma hora. Alice era
desinibida e talvez até um pouco atrevida em suas posições. Opinava sobre tudo
– artes, política, esportes – e era muito firme em suas convicções. Quando eu
disse que era casado, ela soltou uma gargalhada: – Até quando? No dia seguinte,
ela voltou a ligar, para mais uma longa conversa. Aos poucos, percebi que
aquele desembaraço escondia a mais amarga solidão. Mas ela não falava nada
sobre sua vida pessoal. Dizia que quando nos encontrássemos eu ficaria sabendo
de tudo sobre ela. As ligações continuaram diariamente, durante três semanas,
ela sempre se esquivando de um encontro. Nos finais de semana, sentia falta de Alice,
de sua voz sensual e moleca. Até que ela cedeu: marcamos um encontro para o
anoitecer de sexta-feira. Trocaria o sagrado horário da cerveja com os amigos para
conhecer de perto aquela mulher cuja voz me seduzia. Fui até o coreto da Praça
da Polícia; esperei cerca de uma hora e meia. Alice não deu o ar de sua graça.
Na segunda-feira, minha ânsia foi atendida com o toque do telefone no horário
de costume: – Você não falou comigo... – Como, se você não apareceu? Fiquei
feito um idiota, no coreto, vendo as pessoas passarem. Nem sequer me olhavam,
tão apressadas. Além de mim, só uma moça paraplégica, levada por uma senhora de
idade, estava no local. Aliás, eu saí e ela ficou... Nesse momento, percebi um
“clic” do outro lado da linha. E nunca mais ouvi a enigmática voz de Alice.