Fui incumbido de nesta manhã falar do
mais novo livro de Adrino Aragão: Caderno
do escritor. E também sobre o mais novo – e talvez o mais completo – estudo
realizado sobre a obra deste autor: O
conto à meia-luz, resultado de um estudo intitulado Marcas ficcionais no discurso mimético e minimalista de Adrino Aragão,
do escritor e professor Joaquim Branco, mineiro de Cataguases, que o apresentou
em 2010 no curso de Pós-Doutorado da Faculdade de Letras da UFRJ[2].
Agradeço, caro Adrino, a confiança em
mim depositada.
Um pouco de teoria
Antes de falar dos livros, entretanto, discorrerei
sobre este gênero literário muitas vezes incompreendido: o conto[3].
Definir
o conto sempre foi questão controversa, desde que o Romantismo o consagrou como
forma, embora sua gênese se estenda às narrativas mitológicas, na madrugada dos
tempos. Para ficarmos num exemplo bem próximo, na apresentação de Papéis avulsos (1882), Machado de Assis
escreveu: “Quanto ao gênero deles, não sei que diga que não seja inútil.” Eram
narrativas curtas, contos típicos, com exceção de um, que se dividia em 13
capítulos: O alienista. Sem dúvida,
as desventuras de Simão Bacamarte foram responsáveis por aquelas palavras de
hesitação do mestre.
Uma
frase de Mário de Andrade, no esquecido livro O empalhador de passarinhos (1944), tem sido usada à toa, para
justificar equívocos: “Em verdade, sempre será conto aquilo que seu autor
batizou com o nome de conto.”[4] Bobagem.
O conto pode sim ser definido, desde que nos permitamos alguma abstração.
A
palavra “conto” tem origem no vocábulo latino computus – cálculo, cômputo –, derivado do verbo computare, que, com o passar do tempo,
adquiriu o sentido de “enumerar detalhes”, “contar detalhes”, evoluindo, a
partir do século XVI, para o significado que hoje utilizamos: relatar, narrar.
Mas o conto enquanto gênero é muito anterior, escondido em inúmeros nomes-disfarces:
mito, lenda, fábula, caso, apólogo, parábola...
Apropriadamente chamado em inglês de short story, ou história curta, podemos
definir o conto de forma
muito simples, pois é a estrutura da imensa maioria das narrativas assim
classificadas: o conto tem uma história bem definida, poucos personagens, tempo
e ação muito concentrados, passados num só ambiente. Isso nos remete à tríplice
unidade pretendida por Aristóteles: que a história narrada tenha uma ação
bem definida, um só episódio, com poucas personagens; passe-se num tempo
curto, fácil de mensurar; e que se passe num só ambiente ou lugar.
Algumas palavras precisam ser ditas sobre a linguagem do conto – e aqui estamos
pensando nos contos desenvolvidos a partir do movimento romântico, no século
XIX: narrativa concisa; ausência de digressões; economia de descrições; uso do
diálogo, visando objetivar a narrativa. E ponto de vista único – narrativa em
primeira pessoa ou por narrador onisciente ou observador.
Mais
recentemente, uma nova modalidade de conto surgiu, a partir do conceito de
minimalismo – redução ao mínimo dos recursos utilizados –, empregado mais
usualmente nas artes plásticas e na música. Chamado de miniconto, microconto ou
nanoconto, condensa de tal forma a expressão, que pode ser enunciado numa única
frase. Esse radicalismo é uma alegoria do próprio desenvolvimento do conto ao
longo dos séculos, em busca da síntese absoluta – ou da batida perfeita.
No meu
blog Palavra do Fingidor publiquei
dois livros de nanocontos integralmente: o meu Drops de pimenta e Conto,
não-conto & outras inquietações, de Adrino Aragão, além de experiências
de Allison Leão, com quem escrevi uma teoria do nanoconto, da qual vou
poupá-los, por ser um tanto extensa. Relembro aqui apenas seu desfecho, citando
Cortázar:
O
romance ganha por pontos; o conto, por nocaute; o nanoconto é um tiro de bala
dundum na mente do leitor incauto[5].
[1] Apresentação
realizada na manhã de 23 de março de 2013, no Salão do Pensamento Amazônico, na
Academia Amazonense de Letras. Publicado no n° 33 da Revista da AAL, em dezembro do mesmo ano.
[2]
Apresentação dos livros Caderno do
Escritor (Cataguases: Jaraqui, 2012) e O
conto à meia luz (Cataguases: FUNCEC, 2010), feita na Academia Amazonense
de Letras, na manhã do dia 23/03/2013.
[3]
Utilizei trechos do meu livro O conto no
Amazonas (Manaus: Valer, 2011. p. 7-13).
[4]
Citado por Ênio Tavares, em
Teoria Literária :
11ª ed., Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Vila Rica Editoras Reunidas, 1996.