João
Bosco Botelho
Após
o fechamento das escolas de Medicina, a partir do final do século 6, as práticas
médicas se aproximaram das abadias e mosteiros, onde padres e freiras prestaram
assistência aos doentes sob a égide da ética, da moral e da caridade cristãs.
Sob
a guarda das proibições eclesiásticas impondo nova ordem à ética médica,
impedindo as práticas cirúrgicas, mais duramente a partir do século 9,
certamente motivadas pelos maus resultados, as necessidades sociais buscaram
caminhos alternativos para sanar as dificuldades.
Desde
o século 10, na Europa cristianizada, existem muitas referências sobre um
personagem estranho e temido, que preencheu os espaços vazios deixados pela
proibição eclesiástica da prática cirúrgica: o cirurgião-barbeiro.
Esse
personagem, sem formação médica, vínculo institucional ou obrigação ética, como
andarilhos percorriam os caminhos entre as cidades medievais, cortando cabelos,
barbas e unhas, e amputando membros
gangrenados. Em determinas situações, as práticas agressivas nas pernas e
braços infectados, sem nenhum cuidado adicional, causavam mortes, que, no
passar dos séculos, salvo exceções, associaram os cirurgiões-barbeiros aos maus
resultados, gerando intensos conflitos com a família dos mortos ou com a
administração das cidades. Em certas comunidades, quando eles provocavam a
morte de alguém com importância social, para evitar o linchamento, eram
obrigados a fugir rapidamente da população enfurecida.
Parte
significativa do conjunto da Medicina no medievo europeu, regida pela ética
atada aos dogmas cristãos, sem hospitais e escolas médicas, migrou para o
interior ou proximidades das abadias e conventos, com pouca ligação com a ética
e recomendações hipocráticas. Semelhantes aos cirurgiões barbeiros, os padres
despreparados provocaram tantos conflitos pela má prática, causando sequelas e
mortes, gerando revoltas populares seguidas de destruições de igrejas e
monastérios, que motivaram as autoridades cristãs, nos Concílios de Rems (1131)
e de Roma (1139), a proibirem os religiosos de exercer a Medicina fora dos
muros das instituições religiosas.
Por
outro lado, os grandes teóricos do cristianismo como Abelardo, em Paris,
Bernard, em Chartre, e Tomas de Aquino, iniciavam o processo de resgate
doutrinário das obras de Platão e Aristóteles, que também alcançariam a ética
da Medicina.
–
Pedro Abelardo, filósofo e teólogo escolástico, como professor da Universidade
de Paris, que funcionava junto à catedral Notre Damme, na época, em construção.
Esse notável sacerdote defendeu de forma enfática, junto aos seus alunos,
filhos de burguesas abastados ou religiosos importantes, outra leitura crítica
da Bíblia, renovando a Escolástica na problemática da relação entre a fé e a
razão.
–
Bernardo de Chartres, reconstruiu segmentos neo-platônicos e aristotélicos. Como
Reitor da Escola de Chartres, reforçou os conceitos universais em torno de três
categorias da realidade: Deus, matéria e ideia.
–
Tomás de Aquino, filósofo e teólogo, também professor da Universidade de Paris,
fundou a síntese do cristianismo sob a visão aristotélica, firmada na
revelação, baseada no exercício da razão humana, fundindo a fé e a razão no
rumo de Deus.
A
partir da primeira metade do século 14, alguns cirurgiões-barbeiros mais
esclarecidos, em aliança com a Igreja, adotaram São Cosme e São Damião como
protetores e iniciaram ajustes das práticas médicas cirúrgicas para obter
melhores resultados junto aos doentes.