Zemaria Pinto
3.
QUANDO A INTENSÃO SE SOBREPÕE À EXTENSÃO
Tenho em mãos um
daqueles caça-níqueis, sempre questionáveis, pois guardam a maldita mania das
listas, algo tão pessoal quanto o sabonete de uso diário: Os cem melhores contos brasileiros do século. Na primeira década,
os textos têm, no mínimo 6 páginas. Esse padrão vai encolhendo com o passar do
tempo: a partir dos anos 1970, passam a ser parte da paisagem os contos de duas
páginas. Não temos ainda, entretanto, nada que chegue perto do nosso objeto,
mas é um indicativo de que a quantidade de páginas deixava de ser um padrão
determinante da qualidade. A história convencional, com princípio, meio e fim –
do qual “Viagem aos seios de Duília”, de Aníbal Machado, situado num vago “anos
40/50”, nas suas 18 páginas, é exemplar – passa por um processo de aceleração:
a nova forma de narrar é construída de várias elipses sobre uma grande elipse,
que é a fábula principal. Ao leitor, cabe montar, se do seu interesse, uma
trama que faça sentido – ou não, pois as informações de que ele dispõe devem
ser suficientes para ter em mãos uma trama completa.
Vejamos um exemplar de
conto onde a intensão se sobrepõe à extensão:
O doente com
leucemia:
– Sabe, doutor,
o que dói mais? Não é a doença. Não é a dor. Não é a morte em dois meses.
– ...
– É a saudade
que desde já sinto da minha putinha.
(2000,
p. 103)
Outro, da mesma fonte:
– Nunca tomei um
copo d’água sem dar metade pra ela, que no fim me traiu.
(2000,
p. 116)
Mais um,
metalinguístico:
Dia das mães!
Quantos crimes literários, ai, mãe, são cometidos em teu nome!
(2002,
p. 51)
Os três textos são de
Dalton Trevisan. No primeiro, temos uma love
story, com direito a leucemia e tudo. O tratamento aparentemente degradante
é, na verdade, carinhoso, padrão Trevisan. O segundo texto deve ter um bolero
ou um tango como fundo musical: trata-se de uma história passional, com um
possível fim trágico – e aquela frase pode ser a explicação da tragédia. Não
precisamos saber mais nada para fazer essas inferências, com a vantagem de que
a releitura não nos toma tempo.
O terceiro texto é uma
reflexão sobre a enxurrada de bobagens escritas – e publicadas – por ocasião do
dia das mães. Todos os anos. E aqui entramos numa outra possibilidade de
expressão dessa espécie de conto: a reflexão – mordaz, ferina, esculhambativa.
Trevisan, o Vampiro de Curitiba, por William. |