Pedro
Lucas Lindoso
Da
última vez que estive em Brasília conheci dona Lazinha, esposa do meu amigo
Onofre que é funcionário aposentado do Banco do Brasil.
Há
muitos anos Onofre e Lazinha moraram num longínquo município do interior do
Amazonas. Onofre era gerente do banco por lá.
Na
década de 50 havia um movimento da Igreja denominado Ação Católica. Lazinha
entrou para o grupo e tornou-se-amiga do vigário.
Como
não havia muitas atividades culturais no lugarejo, Lazinha resolveu montar um
grupo de teatro amador comunitário.
As
peças eram escritas por ela e tinham o objetivo de conscientizar a população
para seus problemas, além de diversão.
Claro,
aquilo era uma maneira de Lazinha manter-se ocupada. Carioca e acostumada a
viver em cidade grande, Lazinha estava lá para acompanhar o marido e ser feliz
nos primeiros anos de casada.
Ela
mesma redigia os textos. O teatro tornou-se um sucesso. Não só de público.
Todos queriam participar. Os menos letrados eram usados como figuração.
Um
dos mais empolgados participantes do grupo era o João, conhecido pelo inusitado
apelido de João Deixa-que-eu-chuto. Não se sabe bem o motivo da alcunha. Mas ele
nunca se importou e acabou sendo conhecido como João Deixa.
Era
um sujeito boníssimo. Prestativo. Ajudava Lazinha a fazer os cenários. Era pau
para toda obra. Totalmente analfabeto, João Deixa, era um homem bom, mas muito
tacanho em conhecimento e linguagem, coitado.
João
insistia em participar do teatro. Implorou a Lazinha por um papel em uma peça.
Nem que fosse bem pequenino. Uma frase seria o bastante, Era um sonho a ser
realizado.
Conhecendo
bem o João Deixa, Lazinha sabia que ele não seria capaz de decorar nada. Seria
com certeza um desastre. Mas tanto João Deixa insistiu que Lazinha houve por
bem realizar o sonho do João.
Lazinha
então escreveu um texto em que havia um incêndio.
João
Deixa sairia esbaforido do local e diria:
–
Escapei,
milagrosamente.
Lazinha
ensaiou o texto com João Deixa, várias vezes. Ele em casa repetia sem descanso,
para a esposa e filhos: – Escapei, milagrosamente.
Nos
dias de ensaio, era o primeiro a chegar e esperava sua fala com grande
ansiedade. E dizia glorioso: – Escapei, milagrosamente.
Todos
ajudavam o João a memorizar seu texto e diziam, fala João. E ele: Escapei
milagrosamente. Escapei milagrosamente.
No
dia da estréia, todos foram ver a peça e principalmente ver como o bondoso João
iria se sair como ator. Então chegou a hora em que houve o incêndio. Todos na
expectativa e lá vem o João Deixa que grita:
– Milagrei, escaposamente!
Foi
o começo e o fim de uma nem tão promissora carreira de ator.