Zemaria Pinto
4.
O MÁXIMO DE INTENSIDADE, NO MÍNIMO DE ÁREA
Se na subida desta
montanha estivéssemos sendo guiados por Ariel, era chegada a hora de “o outro”
nos dar a mão, pois começamos a descida. O conto literário, artefato de
intenções estéticas, tem, ao longo dos tempos, a ele atreladas, três espécies
bem definidas: o apólogo, a fábula e a parábola. De caráter didático ou moralizante,
elas se distinguem entre si pela natureza das personagens: no apólogo, objetos
inanimados; na fábula, animais irracionais; e na parábola, seres humanos
(PINTO, 2011b, p. 82). O que, então, distinguiria o miniconto do microconto e
estes do nanoconto?
Livres dos grilhões da
extensão, vamos insistir na ideia de maior e menor intensidade. Tomemos dois
exemplos extraídos do livro Caderno do
escritor, do amazonense Adrino Aragão.
Há uma dor ácida
de profunda solidão por toda a quitinete, desde que ela me deixou. Acordo
(acordo?) no meio da noite, não sei que rumo tomar: você não sabe o que é o
amor de um velho apaixonado. (p. 18)
Aragão é hoje destacado
cultor do microconto, como ele prefere nomear, tendo merecido sóbrio estudo do
Prof. Joaquim Branco – sua tese de pós-doutorado apresentada à UFRJ, em 2010 –
que o classifica, com certo pudor acadêmico, como minimalista. Como regra geral
em todo o Caderno do escritor, os
títulos são as palavras iniciais dos contos, não ajudando em nada na elucidação
do conteúdo. E o que temos no conto acima? Um texto onde a tensão é explicitada
em algumas palavras combinadas: “dor ácida”, “profunda solidão”, “desde que ela
me deixou”, “não sei que rumo tomar”, até o remate em anticlímax, próximo ao
cômico, de onde concluímos que a intensidade não foi suficiente para causar
desconforto no leitor. Aqui cabe, com perfeição, a nomenclatura microconto. Mas
por que não miniconto? Qual a diferença entre um e outro? Voltamos ao assunto
mais adiante. Vejamos agora um outro conto de Aragão, do mesmo livro:
Espelho
meu, dizei-me: qual desses dois sou eu?
(p.
56)
Uma frase em uma linha,
duas orações e nove palavras. Em cada uma das orações, Adrino recupera alguns
séculos de tradições literárias. “Espelho meu” é a clássica fala da madrasta de
Branca de Neve, narrativa originária da tradição oral alemã, provavelmente da
Idade Média, e compilada pelos irmãos Grimm na primeira metade do século XIX. A
segunda frase – “qual desses dois sou eu?” – é a expressão profunda da figura
literária chamada “duplo”, expressa, para melhor entendimento, pela fórmula “eu
= outro”. Ao defrontar-se com o espelho e fazer a pergunta, o
narrador-personagem remete-nos a Jorge Luis Borges, uma influência confessa na
obra de Adrino Aragão. Mas isso é pouco. Há mais de dois mil e duzentos anos, o
romano Plauto já brincava com essa figura em Anfitrião (PINTO, 2013, p. 197-198).
Quanta informação, quanto
tensionamento, quanta energia colocada em uma única frase! Isso é o nanoconto:
o máximo de intensidade, no mínimo de área, provocando uma deformação desta: o
texto adquire um sentido muito mais amplo que a primeira leitura – literal,
denotativa – faz crer. Isso me lembra Octavio Paz e uma aproximação que eu
queria evitar: a do nanoconto com o haicai. Nada de “o nanoconto está para o
conto como o haicai está para a poesia”, por favor! Sobre o haicai, Paz
escreveu: “é uma pequena cápsula carregada de poesia capaz de fazer saltar a realidade
aparente” (1980, p. 16-17). O nanoconto é uma cápsula carregada de energia – em
forma de ideias, informações, críticas, reflexões e até poesia – capaz de fazer
saltar leituras e significados múltiplos.
Para saber mais sobre a obra de Adrino Aragão, clique aqui.