Paulo Sérgio Medeiros
LOIRA FAMINTA, boca aveludada e bumbum
G. Realizo seus desejos completos. Carinhosa e não sou careta. Quer conferir? Fone:
7823-1180. Cada anúncio naquela folha de classificados era como lotes de terra
batida de luxúria. Metro quadrado de sussurros e gemidos vendido a preços
populares. O prazer da carne nu e cru oferecendo o profano pincelado de sagrado
por aquelas gêmeas de Eva. Meus olhos sobrevoavam aquele latifúndio do amor
fácil e aquelas palavras maquiadas do pecado da gula incharam minha libido a
ponto de tufar tanto dentro do meu saco da tentação que minha vida monogâmica
foi tornando-se flácida. Syleuza deslizava de uma extremidade a outra na cama,
remexia, gemia e gemia enquanto descansava seus duzentos e oito ossos
fraturados de mordidas. Ela hibernava em desejos reprimidos. Pensei em
acordá-la para serenar os ânimos e acabar com seus sonhos calientes e os meus indecentes,
porém impermeabilizada estava ela. Amarrotei o jornal e o larguei ao lado da
cama, desliguei o abajur e deitei meu corpo em labaredas. Queria a luz do dia
invadindo a janela do quarto para, enfim, apagar aquele fogo. Insistentemente,
boca aveludada... Desejos completos... Bumbum G. ... Carinhosa... Latejavam em
minha cabeça. Levantei-me e desembrulhei aquele cataclismo de desejos. A
transgressão me lambia a pele. Ligo ou não ligo? Era a pergunta que não queria
emudecer. Ainda que roído pelas traças do tempo, o respeito, órgão vital em um
relacionamento pulsava forte em meu crânio calvo, apesar do cárcere privado que
se tornara meus mergulhos em límpidos aquários. Na geografia da Syleuza tinha
eu migrado de porto seguro para porto velho. Ela é carinhosa e não é careta.
Bom, mas por que ela não colocou a idade? E se for uma velha e gorda? Careta?
Se for para ir ao inferno, é melhor que seja acompanhado de uma mulher jovem e
bonita. Então, como um bom professor de linguística, fiz uma breve análise do discurso.
Careta é uma palavra anacrônica. Essa loira deve ter seus quarenta e cinco
anos. Puta velha... Poderia ligar para outra terceirizada, era assim que
encararia aquele encontro, no entanto caros leitores, a palavra tem poder e
faminta foi a que despertou meu interesse e abriu meu apetite. Syleuza
continuava a gemer e a rolar na cama de meus pesadelos. Os ponteiros do relógio
na parede refletiam o meu instinto e protagonizavam o meu futuro ali na
horizontal um em cima do outro. Vesti-me de coragem e liguei fragmentando a
fala. Uma voz lânguida invade meu ouvido. – Olá, boa noite. – Loira... Loira
fam... Faminta? – Loira glutona! – Qu... quanto... cu... custa? – Cento e dez
reais por uma hora e meia. Pronto. Juntei a sede com a vontade de comer.
Detalhes acertados, com a testa beijada deixei Syleuza em meio a devaneios
impudicos e desgarrei-me dos braços do espantalho da solidão rumo ao breu
daquele encontro às escuras. A tentação arreganhara de vez seus dentes em minha
direção. Cheguei a casa 171 na Rua Belo Horizonte ciceroneado pelo medo e
através da campainha anunciei minha chegada. A porta abre-se rangendo no
silêncio palpitante daquele momento e vejo a dois passos de mim cento e dez
quilos de uma loira faminta... Engoli a seco as imagens do meu pensamento e
extraí, testemunhado pela lua minguante, as presas afiadas da tentação.