Pedro Lucas Lindoso
Quando aquela família se mudou
para o Vieiralves, há mais de trinta anos, o conjunto era tranquilo. Não havia
comércio e Manaus não apresentava esses altos índices de violência de nossos
dias.
A casa ficou bonita e grande,
ocupando dois terrenos. A família então contratou Juscenildo para ser o vigia
noturno da propriedade. Tio da cozinheira da casa, que o indicou para o
serviço, Juscenildo conquistou a família pela sua pontualidade, assiduidade e
discrição. Apesar de surdo-mudo, Juscenildo ficava atento quando os patrões
chegavam, abrindo a porta da garagem com solicitude e um sorriso nos lábios.
Vestia sempre uma farda cinza, comprada por dona Dejanira, a matriarca.
A família tinha um casal de
filhos adolescentes que rapidamente tornaram-se adultos. A moça da casa
casou-se e a recepção foi na própria residência da noiva. Antigamente era
assim. Não havia essas festas performáticas nos buffets e clubes. Juscenildo
foi o segurança da festa, vestido num paletó preto, comprado especialmente para
a ocasião.
Os anos se passavam. Certo dia
o rapaz da casa chegou tarde e flagrou Juscenildo dormindo. O bairro já dava
sinais de violência. O moço manteve segredo e sugeriu a aquisição de uma cerca
elétrica. Dona Dejanira foi contra. Afinal, tinham o Juscenildo. Mas segurança
nunca é demais. Instalou-se a tal cerca.
O jovem rapaz da casa se casou
e dona Dejanira ficou viúva. Os filhos então sugeriram que ela se mudasse para
um apartamento. O conjunto estava cada dia mais violento. Ela recusou. Foi então
que os filhos abriram o jogo:
– Mamãe, o Juscenildo dorme. No
que ela respondeu:
– Eu sei que ele dorme. Eu sei
que ele é surdo-mudo. Mas aqui na rua tem outro vigia que também dorme que eu
já vi. O vigia da Tereza, minha amiga também dorme. Mas nunca, jamais entrou
ladrão em nossas casas.
Dona Dejanira detesta
apartamento. Ouviu falar do ladrão Homem Aranha que sobe nos prédios. Não se
mudaria de sua casa nunca. Detesta elevador.
Morreu bastante idosa, dormindo
e em sua casa. Nunca foi roubada. Lá fora tinha o vigia, o Juscenildo, que também
dormia.