Tainá
Vieira
Quase todo mundo tem uma
receita de família, aquela que vai passando de geração a geração. Geralmente, a
pessoa que tem interesse pela culinária recebeu influência de alguém da
família, ou foi da mãe ou do pai, às vezes aprendeu a cozinhar com a avó e até
mesmo se inspirou em alguma tia mestre-cuca, enfim, sempre herda o livro de
receitas. Não é o meu caso, não conheço nenhum parente que saiba ser tão bom na
cozinha e principalmente que tenha uma receita maravilhosa para passar a alguém.
Sei que todas as mulheres da minha família cozinham, mas é o trivial, nada de
divino ou espetacular. Agora de onde vem essa minha paixão pela culinária, esse
meu lado cozinheira? Aprendi por aí, li livros de receitas, pesquisei receitas
na internet. E continuo aprendendo, a
cada comida que preparo.
Lembro-me bem do dia em que
eu fiz a minha primeira comida para o almoço. Meu pai pediu que eu preparasse
feijão, arroz e ovo; não sabia como preparar o feijão, mas sempre observava
como minha mãe cozinhava, então fui lembrando e tentando fazer. O arroz foi
fácil. Até consegui fazer o feijão e quando meu pai viu que já estava pronto, ele
disse que íamos comer com ovo. Eu jamais podia imaginar que o ovo seria frito,
eu querendo agradar papai, mostrando que já sabia cozinhar, não perdi tempo,
quebrei os ovos e os coloquei na panela com o feijão. Ficou algo bem estranho e
a minha comida virou motivo de piada.
Para meus pais eu jamais aprenderia a cozinhar, e olha que eles nem são
exigentes. Minha mãe me brigava todas as vezes que mandava fazer café; nunca saía
do jeito dela; acho que por isso fiquei tão exigente em relação ao café, não é qualquer
café que me agrada.
É difícil encontrar por aí
um bom café, mas procurando bem se pode encontrar, até porque a vida é curta
demais para tomar café ruim. Eu desteto aqueles cafés solúveis, é café de gente
preguiçosa, não tomo café feito em cafeteira elétrica, acho sem gosto. E nem
gosto daqueles cafés cheio de coisas como cremes, canela, chocolate, chantilly e
tantas outras misturas que colocam no café. Eu ainda sou muito primitiva em
relação ao café, prefiro meu café feito com água fervida no fogão, coado no
filtro de papel e adoçado antes de colocar na garrafa. O café que bebo é feito
desse jeito, e a garrafa tem de ficar sobre a mesa da sala de estar, às minhas
vistas, para eu tomar a hora que quiser: isso significa mais de quatro vezes ao
dia. O mundo seria um tédio sem livros e café. Um livro sempre pede a companhia
de um café e vice-versa.
Mas eu falava sobre o meu
lado cozinheira, de onde vem essa paixão pela culinária. Quando eu cozinho, ou
melhor, quando eu preparo uma boa comida, eu me sinto útil. Ter contato com os
alimentos é uma maneira de se socializar com várias culturas, pois ninguém vive
apenas com a comida do seu lugar de origem e não dividir os pratos típicos da
sua região ou país é egoísmo. E não é só uma questão cultural, mas também
religiosa, filosófica, histórica etc. Enfim, uma pizza não é só uma pizza que
veio da Itália (aliás, a pizza surgiu há
mais de 5. 000 anos com os babilônios, hebreus e egípcios que já misturavam o
trigo, amido e a água e assavam em fornos rústicos; essa massa era chamada de
pão de Abraão, era muito parecida com
os pães árabes atuais e recebia o nome de piscea). Uma paella, não é só uma
paella da culinária espanhola. Uma feijoada não é só uma feijoada inventada
pelos escravos no Brasil. Uma feijoada assim como a pizza e a paella são muito
mais que pratos típicos, eles trazem historia e envolvem mais que aspectos culturais
de uma determinada região. Para cada prato típico de um país, há milhões de
pessoas com uma história para contar. Ou seja, não é só um prato, uma receita,
é a própria vida de um povo. Quando eu cozinho, quando eu consigo executar uma
receita da minha região ou de outra, eu me realizo. Acabo de concluir que cozinhar não é paixão,
é um ato de amor. E o amor não precisa ser herdado de alguém ou ensinado por
alguém, o amor simplesmente nasce em nós quando menos esperamos e vive dentro
de nós, nos sustentando a cada dia.