Zemaria Pinto
Cyra
Cyra procurou-me no
banco: queria investir o dinheiro que o marido deixara como herança – além de
imóveis e pontos comerciais, inclusive em outras cidades. Da ascendência
indígena e portuguesa, prevaleceu em Cyra o sangue nativo – miúda, entroncada e
serelepe, os traços finos na pele escura, lembrando a urna selvagem de um
cupuaçu. Aos 28 anos, sem filhos, bela e rica, Cyra era a vítima ideal para o
que se chamava à época de “golpe do baú”. A relação profissional evoluiu para a
amizade, esbarrando porém, no luto, que já se estendia por 8 meses. O negro
permanente num guarda-roupa da moda dava-lhe um ar consternado, logo dissipado
pelo expansivo sorriso. Aos 10 meses de viuvez, e depois de raras sessões de
bolinagem em locais impróprios, Cyra chamou-me para um jantar em sua casa,
avisando-me que ia convidar alguns amigos. Parecia o fim do período lutuoso.
Dia e hora marcados, compareci à casa grande e elegante, incrustrada em um
bairro antigo. Estranhei o pouco movimento – apenas cinco ou seis carros.
Depois de uma recepção efusiva, Cyra apresentou-me aos cavalheiros presentes.
Sim, não havia mulheres. Notei que todos, sem exceção, faziam-lhe a corte. Após
o jantar, com o nível do bom vinho já bastante alto, um sujeito que se
autoproclamou poeta pediu a palavra, e após um nojento pigarro rimou amor com
flor, sol com arrebol, cunhã com manhã etc. Um outro, causídico e vereador,
vomitou adjetivos sobre a anfitriã. Mais alguns discursos insossos e inodoros e
a própria dona da casa tratou de mandar-nos embora, afinal, não ficava bem a
uma viúva estender-se até altas horas em conversas mundanas, ainda que com
aquela plêiade de gentis-homens – a expressão usada foi exatamente essa. Aquele
jantar fazia parte de um plano de seleção, onde um simples gerente de banco não
teria a mínima chance. Soube de outros jantares, nos mesmos moldes, com outros
candidatos. De qualquer forma, quando acabou o luto, consegui arrancar de Cyra
alguns encontros fortuitos e apressados. Depois de um período sumida, chegou-me
a notícia: Cyra casara-se em Boa Vista, com um rico e diversificado empresário,
que ensaiava entrar para a política do território. Ao final das contas, ela,
sim, conseguira dar o golpe do baú.