Amigos do Fingidor

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Maravilhas e tragédias na medicina do século 20



João Bosco Botelho


O século 20 foi marcado por transformações tão profundas e complexas nas práticas da Medicina que se torna difícil compreender como, em pouco mais de cinquenta anos, a longevidade humana, em certos países, aumentou mais de vinte anos.

O maior destaque que dominou, completamente, a segunda metade do século vinte foi a genética. A partir da descoberta da cadeia espiralada do ADN, em 1953, por Watson e Crick, que alcançou direta e indiretamente o estudo do genoma humano, inseminação artificial, antibióticos, métodos anticoncepcionais, métodos terapêuticos experimentais, virologia, imunologia, cancerologia, radioterapia, quimioterapia, vacinas, que forçaram outras mudanças e novas leituras dos códigos de ética médica.

Ao mesmo tempo, é impossível pensar o século 20 sem relembrar os horrores das duas guerras mundiais, as propostas da eugenia e os campos de concentrações dos nazistas.

Em pouco menos de cinco anos, em alguns países, as raízes históricas da ética médica foram destruídas junto às experimentações em seres humanos, a mortalidade proporcionada pelas bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, o aumento da quantidade de pessoas em condições de miséria absoluta, e o vertiginoso crescimento industrial, gerando milhões de trabalhadores operando em condições insalubres.

Os vencedores da II Guerra Mundial impactados sob esses horrores praticados pelos vencidos, alemães e japoneses, alguns com a participação de médicos, em novembro de 1946, em Nuremberg, instalaram o Tribunal Militar Internacional, onde a maior parte dos oficiais alemães capturados foi condenada à morte.

 A escolha da cidade de Nuremberg não foi um ato isolado, estava mesclado de grande valor simbólico, já que naquela importante cidade alemã, ocorreram festividades apoteóticas ao nazismo. Nesse contexto nasceu o Código de Nuremberg com a humanidade retomando o caminho da valorização da dignidade humana e da reflexão ética sobre a vida.

Por outro lado, infelizmente, o Código de Nuremberg, único no gênero na história da humanidade, com enorme simbolismo na ética médica, inicialmente, não teve valor de lei. Entre as diretrizes, se destacam:
– O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial;
– O experimento deve trazer resultados benéficos à sociedade;
– O experimento deve ser baseado em resultados de experimental animal;
– O experimento não deve causar nenhum tipo de sofrimento ao sujeito da pesquisa;
– Nenhum experimento deve ser mantido se houver suspeição de poder determinar qualquer tipo de invalidez ou a morte no sujeito da pesquisa;
– Devem ser tomados cuidados especiais para proteger o sujeito da pesquisa de qualquer possibilidade, mesmo remota, de dano, invalidez e morte;
– O experimento deverá ser conduzido por pessoas cientificamente qualificadas;
– Durante o curso do experimento, o sujeito da pesquisa deve ter a plena liberdade de se retirar, caso ele sinta que há possibilidade de algum dano;
– Durante o curso do experimento, o pesquisador deve estar preparado para suspender os procedimentos, se ele perceber que a continuidade do experimento poderá causar dano, invalidez ou morte do sujeito da pesquisa.


Antes de ter força de lei, o Código de Nuremberg não impediu que um médico norte-americano dirigisse atrocidades em seres humanos desprotegidos, injetando o treponema da sífilis em negros no Mississipi, para “ver como a sífilis avançava até a morte do doente”, mesmo depois de a penicilina estar em uso.