Inácio Oliveira
Sonho que estou pescando
com o meu pai, assim como fazíamos quando eu era criança. Estamos numa canoa,
mas ela não está dentro d’água. A canoa está sobre as nuvens, eu estou remando
e ela avança vagarosamente. Meu pai está com o molinete nas mãos, o anzol
dependurado no ar, parece muito concentrado como se estivesse à espera de um
grande peixe.
Acordo na cadeira ao lado
da sua cama com o pescoço dolorido. Observo meu pai dormir e do seu peito sai
um ruído perturbador, ele tem o sono agitado como se estivesse sendo acometido
por terríveis pesadelos. Logo ele vai acordar, as convulsões sempre o atacam no
meio da noite. Quando meu pai tem esses acessos precisamos segurá-lo firme,
senão ele cai da cama. Nos momentos em que as crises estão mais intensas os
enfermeiros o amarram e ele fica se sacudindo na cama como um eletrocutado.
Hoje fiquei segurando sua mão durante horas para que ele pudesse tomar o soro,
depois ele ficou agitado e eu tive que segurá-lo com mais força para que ele
não se ferisse.
Ontem quando cheguei ele
parecia estar dormindo, mas estava apenas fraco demais para manter os olhos
abertos. Beijei a sua testa, ele abriu os olhos e me reconheceu só depois de
alguns segundos. Apertou a minha mão e disse, fazendo um grande esforço – Hoje
eu vi a sua mãe. Minha mãe morreu há muitos anos, no entanto quando ele disse
isso foi como se ela realmente estivesse ali. O vaso com flores na mesa e a
toalha xadrez cobrindo seus pés me fizeram pensar nela, mas foi só por alguns segundos.
Meu pai estava cagado em cima da cama. Chamei a enfermeira e ajudei a trocar
sua fralda, a merda do meu pai era amarela e pastosa igual a vatapá. Fiquei
pensando quantas vezes meu pai trocou a minha fralda no meio da noite e agora
eu fazia o mesmo com ele, como se isso fosse um ciclo perverso que encontra no
fim o seu começo.
A cama começa a sacudir
com o meu pai se tremendo em cima, ele ergue o braço para o alto como alguém
que está caindo e espera desesperadamente que o agarrem pela mão. Chamo um dos
enfermeiros para que me ajude a segurá-lo, é incrível a força que meu pai
adquire quando as convulsões o atacam, ele que normalmente não tem mais nem
força para manter os olhos abertos. Já não podemos fazer quase nada, apenas imobilizá-lo
e esperar que a crise passe.
Depois de um tempo ele se
acalma. Quando o enfermeiro sai eu tranco a porta, pego o travesseiro no qual
ele descansa a cabeça e o aperto contra o seu rosto com toda força de que eu
sou capaz. Ele treme por alguns segundos e adormece lentamente. Tiro o
travesseiro do seu rosto e o coloco de volta debaixo da sua cabeça, seus olhos
estão abertos e sua boca pende para um lado. Fecho cuidadosamente seus olhos e
ajeito sua boca. Ele parece tranquilo agora. Sento ao seu lado e fico olhando
um longo tempo para ele. Vê-lo deitado imóvel na cama me dá um enorme
sentimento de paz.