Zemaria Pinto
Sônia
Aconteceu há quase 60
anos, de modo inesperado e casual, no entanto, permanece viva em minha lembrança
a figura mignon e sardenta de Sônia.
Eu caminhava pelo calçadão de Copacabana, em direção ao meu hotel, meio bêbado,
às duas da manhã, quando fui abordado por ela: toda de branco, pequena, as
curvas harmoniosas e delicadas, cabelos longos, negros, escorridos, a pele
branca tomada pelas sardas. – Moço, paga um cafezinho? Pensei, por que não?
Teria companhia para aquela última noite, antes de voltar para casa. E uma
companhia agradável. Atravessamos, em busca de um boteco, fazia um frio digno
dos melhores outubros. Começamos a conversar e percebi que Sônia era agradável
não apenas por ser jovem e bonita: desenvolta, culta, apreciava a literatura
francesa do século XIX, que aprendera a ler no original com as freiras do Sacré-Coeur,
era leitora voraz dos poetas metafísicos brasileiros, que eu ignorava
absolutamente, e era fã do Cinema Novo e da Nouvelle Vague. O sol apontava
lento por trás do Arpoador quando fomos para o hotel. A cultura de Sônia não
era apenas literária e cinematográfica: conhecia o Kama Sutra e outros manuais menos ilustres nos seus detalhes mais
sublimes – e também nos mais sórdidos. Continuamos acordados, interrompendo o
rito apenas para o café da manhã, ali pelas 8, e depois para o almoço, pouco
depois das 13. Quando já não víamos mais resquícios do sol entrando pela janela
que dava para a praia, decidi que era hora de nos despedirmos. Sônia fez
questão de acompanhar-me ao aeroporto. Acedi. Na hora da despedida, ela
chorava, soluçando, como se nos conhecêssemos há décadas e eu estivesse indo
para o front. Não trocamos contatos.
Sabíamos que era a última vez que nos víamos, embora fosse também a primeira.
Já dentro do avião, fui tomado por um súbito sentimento de perda e não pude
conter as lágrimas. Mas era tarde.