Marco Adolfs
Tio Otávio raciocina e tem lembranças
Doenças são relativas. E podem ainda mais se tornarem assim, com uma atitude, que muitos diriam irresponsável, como esta minha. Mas se nós, no momento em que nascemos já estamos a morrer, qual o problema então? Aproveite, e, de passagem, escreva as suas memórias, é o conselho que eu dou. Em uma viagem de dez horas, atravessando o Atlântico, dá para pensar em muita coisa, principalmente navegar. Quando aquele veículo mais pesado que o ar levanta voo e fica pairando acima das nuvens, a melhor descrição que se pode fazer disso aproxima-se do fato de o compararmos a uma nave em pleno mar. Quando meus cabelos repletos de sal e meus pés descalços saiam daquele mar da praia de Copacabana, vivia a plenitude de uma juventude que haveria de passar em pouco tempo e sem a perceber devidamente. Envolvido com o rock e alheio à chamada ditadura. Para mim, escutando os Novos Baianos, só existiam os acordes musicais. Papai ainda ladrava seus impropérios devidamente canalizados contra os militares. Mamãe tentava contê-lo, dizendo para ter cuidado com os vizinhos, que bem podiam escutar tudo aquilo. Nesse tempo lembro apenas que o Caetano Veloso e mais alguns outros estavam exilados em Paris. Foi quando eu deixei a praia um pouco de lado e comecei a descobrir a maconha também. Mal sabia eu que daquele gesto tão idiota de fumar ao pôr-do-sol, levaria à existência de uma leva de traficantes armados ocupando os morros, vendendo “bagulhos” anos depois. Mas eu comecei a ler também o Pasquim, o que me levaria a ler livros mais intelectualizados. Foi quando conheci Netinha, uma menina da Serra. “Que é que cê tá lendo, menino?” “O Pasquim”. Daquele dia em diante passamos a ler as mesmas aquela tiras cômicas, os artigos sarcásticos do Pasquim e a namorar nos intervalos. A praia de Copacabana, na altura do posto seis, era o nosso divã.