Amigos do Fingidor

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Linguagens-culturas construindo e desconstruindo ritos de curas e práticas médicas – 11/11

João Bosco Botelho

Vírus e imunologia


Se no século 19 já era muito intrincado dominar os saberes médicos acumulados, no século 20 tornou-se inimaginável. Sob a égide do movimento cada vez mais rápido das novas informações, dominando a vida de todos, é conveniente conceber a Medicina atual distribuída em áreas específicas de conhecimentos, onde as mudanças e os progressos ocorreram em magnitude tão grande que se torna difícil citá-los todos. Dessa forma, entre os muitos, é possível destacar o que segue.

É um dos resultados diretos do pensamento molecular dominando o histórico desvendar da doença escondida atrás da pele, materializando a doença:

   A. Dimitri Ivanovsky (1864-1920): primeiro vírus, em 1892, conhecido como o vírus do mosaico do tabaco;

   B. Martinus Beijerinck (1851-1971): vírus da febre amarela em 1898;

   C. Sanarelli, em 1903: vírus da raiva;

   D. Vacinação conta a poliomielite em 1909;

   E. Wendell Stanley, em 1935, classificou os vírus como seres vivos;

   F. John Enders, em 1949, demonstra ser possível entender melhor o crescimento virótico quando estudado dentro da célula.

A imunologia é essencialmente ligada à molécula, essa especialidade também é uma decorrência do pensamento molecular. Entre as premiações médicas consagradas nessa área:

   A. Elie Metchnikoff (1845-1916) descreveu a fagocitose, mecanismo no qual algumas células sanguíneas englobam no seu citoplasma certas bactérias;

   B. Richter (1850-1935) e Paul Portier (1866-1962) escreveram sobre a anafilaxia;

   C. George Snel, Jean Dausset e Baruj Benacerraf, em 1980, são premiados com o Nobel pelos trabalhos sobre histocompatibilidade;

   D. Cesar Milstein, em 1984, ganhou o prêmio Nobel pela demonstração dos anticorpos monoclonais;

E. Susumu Tonegawa, em 1987, recebeu o prêmio Nobel pela extraordinário trabalho demonstrando que os genes das imunoglobinas podem adquirir nova estrutura durante a vida, significando a existência de processo adaptativo durante a vida e que os genes não estão engessados.

Sem dúvida que o terceiro corte epistemológico da Medicina, iniciado com os estudos de Mendel, pensamento molecular, marcou a prática médica dominante no século 20, gerando o aparecimento da biogenética. Porém, entre os fatos que interferiram, direta ou indiretamente, destacam-se: transportes, dos automóveis aos foguetes; comunicação, do rádio à Internet – e o desvendar do átomo.

Parece claro supor que a melhor compreensão do átomo, nos próximos anos, impulsionará a Medicina do futuro na direção do quarto corte epistemológico, o pensamento atômico, quando as buscas pela materialidade da saúde e da doença serão dominadas pelas mudanças na estrutura do átomo. Nesse tempo, no futuro, talvez seja possível desvendar em qual dimensão da matéria o normal se transforma em patológico, se é que existe o normal e o patológico nos sentidos compreendidos na atualidade.

A descoberta de Tenegawa, que constitui uma das bases da minha teoria das

memórias-sócio-genéticas, na qual ao longo do processo de evolução a estrutura ontogenética foi adaptada ao social para fugir da dor e buscar o prazer utilizando, além dos mecanismos biológicos atávicos, as religiões e as Medicinas como elos da proteção plena.

Perseguindo o trem da história, acoplando novos vagões para aumentar a materialidade de saúde e da doença, incontáveis progressos chegaram à Medicina, aumentando a credibilidade coletiva. Porém, em nenhum momento, diminuindo a fé que guarda e mantém as crenças e idéias religiosas como instrumentos competentes para apaziguar a dor fora de controle e a morte rejeitada, notadamente, no curso das doenças ainda pouco compreendidas e quando o tratamento preconizado pelas práticas médicas oficiais causam mais malefício do que benefício.

Da mesma forma que a imunologia, a genética diz respeito, exclusivamente, ao gradativo domínio do pensamento molecular que passou a buscar a causa e o tratamento das doenças na estrutura da molécula a partir dos trabalhos dos pesquisadores:

   A. James Watson e Francis Crick, em 1953, propuseram o modelo da dupla hélice do ADN;

   B. Raymond Turpin e Jérôme Lejeune, em 1959, comunicaram a presença do cromossomo anômalo no 21.º par cromossômico, doença genética que ficou conhecida como trissomia;

   C. Diversos autores, nos Estados Unidos da América e em países da Europa Central, publicaram artigos sobre a recombinação genética, isto é, o isolamento de fragmento de ADN de um cromossomo, em seguida modificar a sua estrutura e reintroduzir em outro organismo;

   D. Em 1999, termina o estudo morfológico do mapa genético do homem levado a cabo por meio de consórcio internacional de laboratórios e cientistas dos países industrializados.

Desde os anos 1950, os temas discursivos sobre o papel social da Medicina e do médico surgiram em torno de conjuntos hierarquizados, aparentemente em contraste, até polares, dos tipos: tradicional-moderno, ciência-magia e conhecimento-superstição, impondo fortes barreiras entre as Medicina-divina, Medicina-empírica e Medicina-oficial.

A indústria médico-hospitalar do pós-guerra forçou essa separação entre os conhecimentos médicos populares historicamente acumulados e as novas concepções da Medicina, em especial, as do pensamento micrológico. Com este objetivo, nos anos 1960, os meios de comunicação de massa ofereceram mensagens de competência de médicos e dos hospitais tecnológicos como o Dr. Kildare e o Dr. Cannon, produzidos nos países detentores da tecnologia industrial médico-hospitalar que necessitavam de convencimento público. Mais recente, os seriados que buscam solução de crimes utilizando a tecnologia médica em dimensão ainda menor, as moléculas dos genomas, utilizam aparelhos sofisticados inexistentes nos países pobres e se tornaram, na administração pública, os mais novos objetos de desejo.

Essa estratégia bem sucedida para substituir, completa e definitivamente, as Medicina-divina e a Medicina-empírica pela Medicina-oficial pode ser compreendida a partir de cenas comuns no cotidiano nos ambulatórios como a da mãe que chega com um filho dizendo que ele recusa todos os alimentos. O médico, com boa formação humanística e conhecedor da realidade sócio-cultural, argumenta que não há necessidade de remédios e que a mãe deve buscar alternativa na apresentação do alimento. Depois de ouvir todas as argumentações a mãe fulmina: "Doutor, se não vai receitar as vitaminas, a minha vinda aqui foi inútil!".