Zemaria Pinto
O homem ocupa o espaço
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E a morte faz-se presente também na natureza: “O ouro do rio Amana”, publicado na terceira edição de Trilha Dágua, é um réquiem apaixonado, um canto patético pela impotência com que o observador constata a destruição ao seu redor. O espaço transforma-se. O selvagem e primitivo – o rio Amana é afluente do rio Parauari, no médio Amazonas – dá lugar a um outro tipo de selvageria. O ritmo é frenético:
Chegaram dragas, pontões,
canoas, motores, balsas
escafandros, pás, bateias,
mecanismos de sucção
A paisagem devastada é revelada pela interrogação:
Cadê tuas ariranhas,
tuas antas e capivaras,
teus tambaquis, tuas piranhas
pretas, teus pirarucus
teus surubins, teus pacus,
araris e pirararas?
A lista é extensa: patos selvagens, inambus, tanguruparás, japiins, ciganas, uirapurus, guaribas, caititus, socós-boi, jacarés-pedra, tracajás. A resposta à indagação é dada pelo próprio observador, no mesmo frenesi registrado na invasão:
as vilas vão-se formando
nas margens, e em cada tenda
há muitas coisas à venda
e mulheres de aluguel
há muito cabra-da-peste,
e cenas de faroeste,
cachaça, carne-de-lata,
cigarro, pilha, sardinha,
leite-moça, mosquiteiro,
lanterna, charque do Sul.
No seu lamento, contudo, o poeta-observador prevê que, esgotado o ouro, o velho rio voltará a ser dos seus, deixando entrever um sonho antigo quando registrara em “Das Fronteiras”, de Da Noite Do Rio:
Quando se esgotar o meu tempo de luta,
construirei minha morada entre árvores sadias e simples
Em “O ouro do rio Amana”, não é outra sua intenção:
Depois do caso passado,
mesmo sabendo que és triste,
quero fazer um roçado,
levantar um tapiri,
deixar o mundo de lado
e morar perto de ti.