Amigos do Fingidor

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A miragem elaborada – 10

Zemaria Pinto

O homem ocupa o espaço

IX


Mas, voltando às imagens em movimento de Trilha Dágua, o soneto “Vista do paraná da Eva” faz um pequeno levantamento, nos limites infinitos da composição, da vida naquela comunidade

                    Paraná de água branca corre lento.

Bodós, garça-morena, acarás, jejus, o casco, o timbó-titica, a sapopema, o tijuco.

                    Sabão de caraipé e pequiá
                    limpando o corpo lindo da cabocla.

Canarana, garera, terra preta, cebolinha, cheiro-verde, o caminho da casa, o cacaueiro

                    e os curumins brincando no terreno.

O registro frequente de termos amazônicos levou Alcides Werk a preocupar-se com a montagem de um glossário, a partir da 2a edição de Trilha Dágua, que, na edição seguinte, registra 116 verbetes. Tal recurso, se num primeiro momento interrompe a leitura, causando ruídos à música do poema, por outro lado, facilita-lhe o entendimento, estabelecendo uma relação mais próxima entre o leitor e autor.

Outra composição muito popular de Alcides Werk é o “Soneto aberto sobre a morte”, onde o olho-câmera percorre o interior da casa e registra:

                    Beatas, terço, cafezinho, estórias,
                    o choro inútil da mulher sozinha

Com duas versões musicais – Roberto Dito e Armando de Paula – o “Soneto aberto” circulou também em folha esparsa, homenageando o líder ecológico Chico Mendes:

                    Brasileiro, do norte, agricultor.
                    Semeou, semeou a vida inteira,
                    fez o campo florir por tantas vezes,
                    alimentou mil pássaros vadios

Neste poema, Alcides Werk revela uma outra face do amazônida interiorano: a resignação diante da morte transforma o ritual fúnebre em acontecimento de uma discrição não nefasta:

                    Hoje é dia de festa nesta casa:
                    festa dos círios e das lamparinas.
                    (...)
                    foi sempre bom, mas nunca teve sorte,
                    e se vestiu de trapos para a morte.

Ao agricultor do norte está reservada a ironia da relação com a morte em sua labuta diária. O poema “Roçado”, de Trilha Dágua, lista os cuidados no preparo da terra e arremata:

                    Aguardarei a chuva de Finados,
                    e plantarei.

A chuva, que traz a vida fertilizadora da terra, vem, segundo creem, no dia consagrado à Morte. E o poeta não deixa de registrar o júbilo:

                    E a semente escolhida da maniva
                    vai ressurgir votiva em cada cova,
                    como uma dádiva.

OBS: amanhã, 13 de novembro, completam-se sete anos da morte de Alcides Werk.
Acendam-se os círios e as lamparinas...