Zemaria Pinto
O homem noturno, a busca da luz
I
Uma característica marcante na poesia de Alcides Werk é a presença da noite. A noite protetora, envolvente, cúmplice do caboclo amazônico. A noite, caminho da antemanhã. A noite, precursora da luz.
No poema “Da noite do rio”, por exemplo, um canto angustiado, revelador de percalços históricos pelos quais passou o país, o poeta dimensiona o peso dos acontecimentos políticos tingindo de tons escuros seu universo:
nesta noite sem medida
eu todo banhado em sombras
O “homem noturno” não se opõe ao “homem diurno”. Aquele é este sem rumo
fugi de casa, fugi
A desesperança com o momento histórico atinge seu cume, o homem perde a concha de seus sonhos: a aurora, o símbolo mais vulgar e perfeito da mudança, parece inalcançável:
como se a aurora que busco
neste rio se afogou
Perdido o refúgio, perdido o sonho, o homem renova-se, a partir do rio – o símbolo mesmo da mudança, pois que nunca se repete. Mas o “rio noturno” é apenas a projeção da angústia do “homem noturno”: adormecido, cansado de viagens, arauto de mortes
que fazem parte do rio
e estão assim como estou
O homem ensombrecido, impotente pela impotência do rio, encontra-se ilhado: não há como lutar contra a noite que se abate sobre seu universo. Ele está só. E o maior castigo é não haver castigo.
por remissão de meus males,
deixar meu corpo vazio
guardando o castelo inútil
e partir buscando a aurora
A noite que envolve o poeta leva-o ao dia: no poema “Canção”, este repentino renascer da vontade indica claramente o novo caminho.
Não à solidão. Não ao isolamento. Não ao desespero
vou em busca do meu dia
para o labor necessário
de inaugurar horizontes
A poesia caminha para o convívio dos homens e renega a escuridão, o amargor, a desesperança. Relacionando algumas chaves dos poemas, percebemos isso claramente:
Da noite do rio
noite
sombras
fugi de casa
branco (desta praia)
aurora (...) (se afogou)
acordar (o rio)
cansado
morte
mortos pescadores
nuvens
chuva
fome
frio
males
corpo vazio
castelo inútil
face marcada
ventos
Canção
cantando
estrada
busca
dia
leve
não tenho nada
(...) nem o medo da morte
irmãos
ver
nova cidade
brotando (das ruínas)
lamentos inúteis
velhos cantos amargos
alegre
saudade
mãos limpas
labor
inaugurar horizontes
Primeiro – e, claro, considerando-se o contexto de cada poema – valores negativos (“Da noite do rio), depois, valores positivos (“Canção”). Os dois poemas, interrelacionados, caminham um em direção do outro
e partir buscando a aurora
vou em busca do meu dia
Da mesma forma, eles se rejeitam
Os meus lamentos inúteis
(os velhos cantos amargos),
esta noite os esqueci.
No fundo, eles se completam
Nesta noite sem medida
eu todo banhado em sombras
Vou em busca do meu dia,
vou juntar-me aos meus irmãos.
Essa busca inicia-se, na verdade, na opção assumida no poema “Do homem”. A aurora não é um fenômeno físico. Claramente, ela é um acontecimento forjado por mãos humanas. O homem através dos tempos, construindo seu caminho:
E toda lembrança
que trago comigo
é o Homem tecendo
o imenso milagre
da aurora que vem.