Zemaria Pinto
O homem noturno, a busca da luz
II
Esse tecer infindo constitui-se milagre na proposição que o poeta faz em “À noite”:
Mas preservarei a flor.
Construirei muralhas,
e o tempo e o vento não a destruirão.
Quando as tempestades vierem,
me aproximarei e a defenderei,
para que possa devolvê-la ainda flor
à manha.
Não importam os ditadores, não interessa o tempo que lhes reserva o poder, o homem saberá preservar a si até que venha a manhã.
Este poema traduz toda a importância atribuída à noite na obra de Alcides Werk. A noite como caminho inevitável para a luz:
Meu coração não se erguerá contra ti,
porque és simples,
e não conheces o mal que fazes,
quando levas a luz.
No poema “À irmã sem amor”, o tema é retomado:
a antiga semente do amor
foi lançada no coração dos homens.
Ela é irmã da manhã
Germina no silêncio da noite,
mas ao amanhecer será árvore
e será fruto.
O amor, a fraternidade, a igualdade entre os homens. Mas o poeta não deixa de alertar contra qualquer possibilidade de radicalismos, avisando que
os sinais,
tu os conhecerás nos pássaros
No poema “Da espera”, ele renova o aviso:
Direi aos pássaros que esperem,
enquanto perdurar a ronda dos morcegos.
Esses três poemas constituem a reflexão do poeta sobre o momento político. Sem a dor estampada em “Da noite do rio” ou a quase-alegria de “Canção”:
Sou leve, não tenho nada
(nem mesmo o medo da morte).
Há a calma, a serenidade de quem sabe o que quer.
Há uma grande alegria na espera.
Ele diz em “À irmã sem amor”, para arrematar, na festa dos pássaros, que
o labor de tuas mãos limpas
será aceito
no grande banquete de amor que se prepara
para saudar a manhã.
Banquete que se renova a cada aurora na vida do homem amazônico. Como em “Facheação”, o dia clareando:
preciso remar ligeiro,
que o povo tá me esperando
com a peixada pro ajuri.
Ou em “Peixe-boi”, após o sucesso na pesca:
Voltar para casa
cheio de alegria
no romper do dia
A chegada do dia relacionada com a festa da volta para casa: o fim do exílio, a retomada da liberdade, o tempo novo que se anuncia. No poema “Êxodo”, o coroamento dessa ideia:
Quero voltar pro meu lago,
quero enganar a mentira,
assar um peixe na praia
e saudar o sol nascente,
fazer uns versos pro dia
mas nos teus braços, Jupira.