Zemaria Pinto
O homem noturno, a busca da luz
III
Na poética de Alcides Werk, o embate noite X dia tem as mesmas dimensões da luta água X terra. Nesta, a água poderosa e destruidora tem por função essencial a fertilização da terra, proporcionando um renovado ciclo vital. Naquele, a noite com suas sombras, sua negatividade intrínseca, conduz ao dia e à consequente e fácil metáfora da esperança no futuro, mas ainda não está aqui o lugar-comum.
A noite, como a vê o poeta, é – sobretudo – um manto protetor da natureza. Essa positividade é realçada no poema “Pescaria”:
O sol se põe
O croc-croc de mil pescadas
saúda a noite nas profundezas
Ergue-se o canto da natureza,
aves noturnas pelas beiradas
Ágeis morcegos, catando insetos
Noite fechada, findou-se o dia.
E a clara lua, por trás da mata,
inventa sombras nas águas mansas
me excita os sonhos de pescador.
A noite cúmplice, aliada do homem – convivência natural e pacífica. No poema “Tracajá”, a positividade de elementos comumente negativos é levada ao extremo na descrição da desova das tracajás. Nuvens de chuva, raios na noite, protegendo a vida:
Cúmulos-nimbos
no céu noturno
detonam raios
e cai a chuva
banhando a praia,
levando rastros,
lavando odores.
Mas é na chegada da noite, que se percebem elementos negativos na poética de Alcides Werk. Se a noite em si é prenúncio de um novo dia, o anoitecer encerra a destruição do dia que o antecede. No poema “Jacaré”, após lamentar o desaparecimento do pescador por quase uma semana, o narrador vê, na chegada da noite, o fim da esperança de mais um dia que se vai:
E eu, testemunha da ausência,
no fim de tarde sombrio
lanço perguntas ao rio:
por onde Dico andara?
Mas é no conciso “Maguari” que o poeta exprime à perfeição essa angústia:
Há, nesses teus longos silêncios
de fim de tarde
à beira do lago,
sob o regresso alegre das araras,
um ponderável prenúncio de luto.
Da mesma forma, no poema-desabafo “Aos meus irmãos solitários”, é a imagem da noite chegando que leva o poeta à plena consciência de sua condição:
Agora,
que a noite desceu irreversivelmente sobre minha alma,
e nela fez sua morada permanente
pagarei vossa hospitalidade
com a presença constante da minha alma
na noite dos vossos dias
Está claro que a noite anunciadora da aurora é matéria de sonho.
Acuado pela realidade cotidiana, o símbolo noturno recrudesce, até atingir sua condição mais elementar de negatividade. Essa condição, entretanto, realça o labor poético, a carpintaria ora grave ora apaixonada dos sonetos reunidos em Trilha Dágua sob o subtítulo “Estudos”.