Amigos do Fingidor

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

A miragem elaborada – 17

Zemaria Pinto

O homem noturno, a busca da luz

 
IV


A noite irreversível e sem fim abate-se sobre o poeta e não apenas o cobre. Doma-o. Internaliza-o. A noite é ele. A poesia se espraia pelo tempo sem retorno e se alonga em ocasos que se repetem de forma tão igual que parecem um só: o ocaso da longa noite que o poeta viveu vagando pelo médio Amazonas.

                    Eis-me aqui nesta ausência de mim mesmo

Este verso, do “Soneto VII”, reúne em suas dez mágicas sílabas toda a força da poesia que explode em angústia e dor. De igual modo o “Soneto VI” refere-se à

                          ronda inútil
                    por além dos limites do meu nada

Como se o distanciamento dos acontecimentos nacionais o isolasse ainda mais do mundo físico ao seu redor – assumindo definitivamente a “condição de ilha” a que se refere o poema “Aos meus irmãos solitários”. Da mesma forma, os “Sonetos V” e “VII” perseguem essa imagem do ser ensombrecido – o homem noturno – e vazio. Neste, há algo de loucura dominando o poeta:

                    Silêncio. Sinto apenas o silêncio
                    em mim.

                    Busco-me, a medo, e vejo pelos cantos
                    vozes vazias, sons de antigamente,
                    projetos inconclusos, teias, nada
                    e tua linda presença estilhaçada.

Mas é no “Soneto I” que ele resiste da melhor forma – escrevendo:

                    Na meia luz da tasca entra uma lua
                    que inventa novas sombras nas paredes.
                    Dos meus olhos de espanto e de tristeza
                    vai caindo um poema sobre a mesa.

Nos doze sonetos de “Estudos”, a noite é presença constante e desafiadora. Sua simbologia é sempre negativa, nefasta. Mesmo quando a luz do sol se apresenta, tímida, é para iluminar a face da morte que a noite encobre - como no “Soneto III”:

                              Era noite, e nessa noite as sombras
                    tinham gestos de angústia em nossas almas.


                              as horas mortas
                    trouxeram lentamente a madrugada.


                    Das janelas e portas entreabertas
                    a luz veio auscultar nossa tristeza,
                    e viu a palidez do rosto dele
                    hirto, completamente alheio a tudo.

O entardecer como valor negativo está presente no “Soneto IV”, reafirmando a simbologia contida em “Noturno”, “Jacaré” e “Jaburu”:

                    Cumpro este instante amargo.

                                                                             amargo
                    instante só de ocasos construído.