João Sebastião
Marmitão Seboso caminha pelas ruas do centro de Manaus. Coberto de andrajos, nem parece um ser humano. As faces descarnadas pelo crack já não guardam nenhum traço do jovem atleta, de cabelos louros e olhos agateados, que misturava a aguada cerveja Antarctica com desodorante Mistral – para dar um grau, ele rimava pobremente.
Seboso olha para o semáforo vermelho, parecendo não entender o que acontece. Aquela cor... Permanece hirto na calçada, como uma estátua equestre sem cavaleiro, atrapalhando o tráfego pedestre. Ele sonha com os tempos em que papá Stalin dominava metade do mundo e mandava matar quem quer que se metesse em seu caminho. Ah, papá, papá, papá...
Apesar da aparência mumiforme, Seboso não viveu a época de papá Stalin, por isso, nutre no seu íntimo o desejo de exterminar a todos os inimigos de papá – que se tornaram seus inimigos também. Seria uma lista muito longa, para ser reproduzida em um nanoconto. Para simplificar, digamos que Seboso odeia tudo o que está a mais de dois milímetros de seu seboso umbigo – umbigo que, ele acredita, um dia o ligou a papá Stalin.