Amigos do Fingidor

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A doença no Antigo Testamento

João Bosco Botelho



A necessidade de estabelecer as normas de organização social levou os hebreus a amalgamar a tradição oral na Lei, que deveria ser cumprida por todos em razão de ser inspirada na irradiação da memória onipotente e justa em si mesma — Deus. Seria na obediência à Lei que os homens mortais se aproximariam do Deus imortal. Essa relação estava inserida em conjunto de regras culturais, religiosas e morais, fundamentais para a sobrevivência do povo judeu. A máxima de Israel dizia: “Escuta, oh! Israel: o nosso senhor (a Lei) é nosso Deus, o Eterno e único.”

O amparo inquebrantável dessa relação religiosa, consolidada no Antigo Testamento (AT), edificou um dos mais eficazes conjuntos de normas de saúde pública da humanidade, em grande parte, responsável pela sobrevivência do povo de Israel.

A Medicina contida no AT foi, em alguns aspectos, sobreposta pela da tradição oral, transcrita no Talmude, entre os anos 100 a.C. e 1.500. Os registros interpretativos foram realizados pelos sábios rabinos durante o período conhecido como o da tradição oral. A tentativa de materializar a doença é percebida a partir do seu sentido em oposição à saúde, sendo esta representada pelo bem e aquela, pelo mal. Dessa forma, foi possível oferecer o sentido histórico-teológico, capaz de formar no pensamento coletivo uma divisão nítida pelo afrontamento da saúde como bem, luz, justiça, limpeza e bondade, com a doença sinônimo de maldade, escuridão, injustiça e sujeira.

A saúde e a doença passaram também a representar o poder de Deus sobre os homens, oferecidas, respectivamente, como prêmio ou castigo pela obediência à sua Lei. Ficava relativamente fácil explicar por esse mecanismo o aparecimento das enfermidades nos pecadores, mas difícil de explicá-las nos obedientes e tementes a Ele. Por meio dessa regra binária de prêmio-castigo, ficava também confuso caracterizar a hierarquização da falta cometida e justificar como seriam distribuídas entre os homens as diferentes manifestações da vontade divina, como a lepra, a loucura e a cegueira, que os excluíam do convívio social.

Apesar de a associação simbólica da doença ao pecado – no sentido de mau, escuro e dor – ter sido concretizada antes do monoteísmo judaico, vários documentos, dos papiros egípcios às tábuas de escrita cuneiforme da Mesopotâmia, que tratam do assunto, deixam bem clara essa associação. Porém, somente nos primeiros tempos da teologia judaica pode ser encontrada a idéia de doença como realidade contrária à intencionalidade de um Deus bom.

Ilustração: instrumentos do rito da circuncisão.