Marco Adolfs
...Nesse momento de sua escrita, Gabriel Sombra raciocinou então um pouco mais, e quase sem o perceber, já que escrevia aceleradamente, o fato, simples e objetivo, de – a verdadeira solidão dos nossos tempos de homens e mulheres das cidades –, ELA própria, nunca estar só; pois que vinha e se apresentava sempre associada a vários aspectos psicológicos, podendo ser abordada através de diversos focos de origem: a ausência do outro, o suicídio como possibilidade, a velhice asquerosa que quase todos queriam evitar ou encontrar soluções de drible, a vida religiosa proposta para os que acreditavam e aquela solidão que se associava sempre ao tédio das horas. E era justamente sobre esta última situação que Sombra deveria mais teorizar naquele momento. Pois, segundo constava nos autos do processo de muitos mortais que circulavam pelas ruas, casas e apartamentos, o fato de que eles tinham a pura e dolorosa constatação de que o seu tédio era proveniente de ver a sua própria existência passar e não poder estar vivendo todas as possibilidades que lhes eram oferecidas por essa mesma vida. “Essa gente que “tinha porque tinha” que sair e encontrar outras gentes”, identificou Gabriel, sentindo uma pequena cutucada em seu ego. Mas isso tinha a ver, pensou ainda o velho poeta ensaísta, com a falta de perspectiva de quem não entendia a evolução dessa existência que nos fora ofertada com aquelas pessoas que carregavam uma vida sem sentido. Tinha a ver com o uso do tempo e com a angústia de uma ou várias faltas, enquanto os ponteiros do relógio giravam na direção do decreto final. Essa era uma solidão, pensou e escreveu o poeta solitário, que na verdade dizia respeito a uma total ausência de movimento de carinho com o próprio tempo que nos fora disponibilizado pelo dia. Era o exercício puro do não entendimento do que era, e para o que deveria servir, a própria vida. Nesse momento de seu ensaio sobre a solidão, Sombra lembrou então da Bíblia, esse volumoso livro para solitários. Lembrou em seguida, como não poderia deixar de ser, do fato, trágico e amargo, mas de final feliz e inusitado, do que talvez tivesse sido o pior tipo de solidão da história da humanidade: o de Jó...