Jorge Tufic
Há diversos estilos de livro, modos também diversos sob os quais eles podem ser ou não considerados fundamentais ou singulares. A Bíblia Sagrada, a Divina Comédia, As Aventuras de Marco Polo, Dom Quixote de La Mancha, Tirant Lo Blanc, entre outros, estão nessa lista. Sem falarmos naturalmente da Biblioteca de Alexandria, do Kong-Fu-Tse, de Confúcio, do Tchun-Ti-Sem (obra histórica) e da Grande Enciclopédia Completa das Artes e Ciências da China, publicada em 200 volumes. Lamenta-se, pari passu, a perda de valiosos códices, sorvidos por terremotos, queimados ou destruídos pelas guerras, além dos incontáveis documentos que teriam servido de “cobaias” na longa história do livro, ainda quando se utilizavam folhas de palmeira, tábuas de madeira polida, córtice de árvore, folhas de seda e papel, até que se pudesse chegar às placas de argila, ao papiro e muito depois (já numa outra parte do globo) ao pergaminho de pele de carneiro alvejado e polido.
O mundo, ainda incriado e inumerado nesse plano do conhecimento literário, presenciava o sorteio, por volta de 1503, de apenas 100 pessoas capazes de adquirir as primeiras 100 bíblias impressas por Gutemberg, a não menos famosa “Bíblia mazarina”, com 42 linhas, dois volumes e 1282 páginas! Abria-se, então, o cenário mágico do futuro, quando todo o planeta de adamo iria fazer deste Livro a sua leitura obrigatória e o mais impresso e mais vendido em todos os tempos, sejam de guerra ou de paz. E não é pra menos. Na Bíblia se encontra o romance (narrativas), a poesia (o cântico dos cânticos), a geografia (reconstrução real ou imaginada do espaço físico à época dos fatos descritos), a história (como a de Bossuet), a religião, a estratégia militar, o saber intuitivo, os códigos de ética, a premonição mística, a onomástica (aquela imensa relação de nomes de que saíram as gerações do povo de Deus), sendo, ao lado destas e de outras enumerações, um eterno filão temático em torno de cujos episódios giram, desde séculos, milhares de títulos que buscam, nos temas do Livro Sagrado, recriar esse mundo pitoresco gestado por um núcleo germinal e pela sequência evolucionária das espécies, até que o homem se erguesse do chão bruto, como um gigante mitológico se levanta.
Os números preexistem às letras, ou nasceram juntos? Um filósofo maranhense do século dezenove escrevera A Metafísica da Contabilidade e Pablo Neruda chegara a ver números nas pupilas de um gato. Azougue puro, mensagem de fogo oriunda das camadas subjacentes do verbo primordial, a só referência de que a Bíblia fora inspirada por Deus lhe confere, pra lá da sintaxe indutiva, um leque semântico feito para unir, separar, deduzir ou dar múltiplos aspectos ao jogo aparente dos registros simbólicos a que um sopro maior desagrega, enquanto entendidos com facilidade, para mais adiante apresentar deles uma chave diferente. A matemática elimina, portanto, as contradições requeridas por um texto lógico, humano, ao mesmo tempo em que sonda a mente transcendental da escritura, como parte de um plano do universo sob o qual os homens não atuam senão reduzidos a escribas de uma vontade superior.
Magnum opus seria, deste modo, o volume que pudesse conter a singularidade luminosa de traduzir esse mistério, revelado, assim, da mesma forma como fora revelada a palavra divina, tudo por iniciativa também de uma escolha divina, e, por que não dizer?, do momento ou da hora adequada para que os números, a matemática, se unissem à metáfora da comunicação meramente linguística, dando ao corpus doutrinário da fé aquela centelha peregrina do ordenamento didático. É o que, de resto, um bisonho catecúmeno vê no trabalho do autor deste livro, decididamente convencido de sua autenticidade, desde que tenha sido elaborado, como parece, à margem ou acima de um plano de obra onde a teoria se coloca à frente da pesquisa. Antes, pelo contrário, nele, como na postura de Moisés diante das tábuas conferidas pelo Senhor, a mente deste insere ao primado do decálogo a fulguração de medidas exatas para cada ato, comportamento, ação ou práticas levianas contrárias aos usos e costumes, matrizes da palavra escrita, argumento final que se liga ao conjunto harmonioso entre os terráqueos e o cosmo. Aí está, na capa, a situação emblemática que embrica os extremos: a interlocutora extática ao pé da cruz, em face da resposta que amplia o tamanho dos braços de Cristo ao infinito humanamente insondável.
Conduzido pelas mãos do próprio Francisco Bedê, adentrei as naves deste laboratório elucidativo onde parábolas como a do filho pródigo obedecem a regras inflexíveis de transversais e paralelas; detive-me ante obscuros labirintos biológicos; senti nas faces coloridas pelos vitrais da devoção religiosa a extraordinária concepção de Maria de Nazareth, a agraciada; descobri a curiosa “análise combinatória entre os alfanuméricos da criatura e os do criador; compreendi que o sangue humano é um rio cósmico que navega através de culpas e redenções gloriosas; aprendi que a missão do vivente na terra tem muito a ver com seu desempenho na sociedade a que pertence, burocracia etc.; toquei, com os dedos, a horizontalidade do egoísmo temporal nas equações do homem transacionando com o seu próximo; meditei, por algumas horas, sobre as medidas invisíveis que devem existir no interior de cada um de nós; submeti aos limites máximos do meu raciocínio a imparcialidade da justiça dos homens e a perfeição da justiça de Deus; esforcei-me, com sinceridade, no sentido de compreender a “matemática celestial, diferente da humana ou convencional, já que aquela é “sutil, surpreendente, cheia de simetrias muitas vezes incompreensíveis” (...); estive presente à contagem regressiva da ressurreição de Lázaro; recolhi, com o lenço de minhas lágrimas, os sete cravos reverberantes que prendiam o Corpo Santo ao madeiro que ainda caminha, na fé e no holocausto dos simples, dos humildes e dos pobres; pude, também, imaginar como as trinta moedas de Judas se fundiram em milhares de cânceres da usura, da agiotagem e da condenável exploração do homem-pelo-homem. Não fui mais adiante porque o prazo que me fora dado para a entrega deste prefácio, também era matemático, ligava-se a um tempo-móvel que faz do tempo de amanhã o dia de ontem.
Trata-se, porém, de matéria científica rara, trabalhada numa linguagem simples em relação à complexidade dos cálculos, da pesquisa e das equações tributadas pelo empenho de tornar mais claros os enigmas de Deus. Vai daí que o leitor deverá ter o espírito desarmado contra as dificuldades do assunto, doando-se, por inteiro, ao enlevo das passagens bíblicas ou evangélicas que respaldam a tese, ou Grande Tese do livro.
Indicado, com honra, para concorrer ao Prêmio Nobel de 1999, A Matemática dos Homens e a Mente Matemática de Deus, pela sua originalidade, tem tudo para saldar, com o nosso país, essa dívida agora imperativa. Para glória, também, do Ceará.