Entre
Borba e Itacoatiara, a foz do rio Madeira não é apenas um curso d’água. Carrega
histórias que o mapa não ousa registrar. Bento Pedro Fadoul estabeleceu-se por
lá. O libanês que aprendeu o peso do mundo pelo peso das cargas do regatão.
Muitos turcos, sírios e libaneses vieram para a Amazônia após o advento da
República. Era o auge do ciclo da borracha. A foz do Madeira prometia riqueza.
Ali ficava a porta do rio que levaria as riquezas até a Bolívia, quiçá ao
Pacífico e ao sul do Brasil.
Em
Borba, sob as bênçãos de Santo Antônio, Bento Pedro casou-se com Isabel
Coutinho, cuja família mandaria na cidade e até no Estado do Amazonas por anos.
Por meio do poderoso Monsenhor Coutinho. Pois em Borba quem não era Coutinho
era coitadinho. Isabel era viúva de um judeu chamado Baumann, com quem teve uma
filha chamada Antonietta, adotada por Bento Pedro. Isabel enfrentava o cotidiano
com a coragem e os desafios que cada dia oferece.
Em
Borba, Bento Pedro e Isabel tiveram a filha Brigitta, que viria a ser minha
avó.
Helmosa
e Bianor nasceram sob o burburinho das marés amazônicas, em Itacoatiara,
enquanto o fluxo do látex ainda desenhava bons ventos. O novo século 20
despontava com promessas de mais vida e riqueza. A família de Bento Pedro e
Isabel trazia a continuidade de uma ponte invisível que liga culturas na margem
dos rios da Amazônia. A ponte entre o comércio que se faz com o perder e o
ganhar, entre a hospitalidade e o cuidado com o próximo.
O
regatão não é apenas mercadoria que atravessa a curva do Madeira. É memória que
se desloca, famílias que se movimentam e lares que respiram em várias línguas,
inclusive as dos povos originários.
Bento,
com a calma de quem conhece as coisas bem pesadas, negociava não só o preço do
látex, mas o tempo em que cada casa pode existir entre a espera e o retorno.
Isabel, guardiã de casa e de rotinas, tece redes de cuidados: cozinhas que
aquecem, roupas secando ao sol, olhos que reconhecem o rosto do vizinho.
Antonietta,
Brigitta, Helmosa e Bianor, a cada passo, carregam o presságio de uma geração
que aprenderá a ler o rio não apenas como caminho, mas como memória viva.
Borba e
Itacoatiara, o fluxo do látex, a força do trabalho. Tudo se encontra na curva do Madeira. Bento
Pedro Fadoul não é apenas personagem de uma crônica: é a voz que abriu passagem
entre continentes, entre casas que vão ficando para trás e destinos que se
desenham na margem seguinte.
Antonietta,
Brigitta, Helmosa e Bianor, filhos do encontro e testemunhas de uma história
que não cabe em uma única página, mas que cabe na cadência do rio que continua
a correr, lembrando a todos que a vida é uma travessia que exige coragem, fé e
a capacidade de sonhar em várias línguas.
Bento
Pedro enriqueceu com o regatão. Navegava entre cidades vilas e povoados. O
regatão vendia principalmente secos e molhados. Eram verdadeiras lojas
flutuantes, vendendo e comprando ou trocando todo tipo de coisa e objetos de
comércio.
Brigitta
e Helmosa foram estudar na próspera cidade de Belém. Bianor foi para Paris e
tornou-se aviador. Antonietta casou-se e mudou-se para o Rio de Janeiro.
Brigitta casou-se com Phelippe Daou, em Manaus. Helmosa tornou-se uma
“diceuse”. Declamava poesia nos salões de Manaus com a beleza e o vigor do rio
Madeira, que, ao unir-se ao Amazonas, corre para o mar.