Amigos do Fingidor

terça-feira, 25 de outubro de 2011

De família em família

José Almerindo Alencar da Rosa*


 – Sem esse alicerce a família desmorona como um castelo de areia. Mesmo quando não se tem vontade de dar carinho e quando não se compreende nada do que acontece, é preciso um esforço extra... Só assim pais, filhos e irmãos se entendem...

Zemaria Pinto, em A cidade perdida dos meninos-peixes

Três ideias nos marcam e ficam traquinando em nossa mente após a leitura de O urubu albino. Estas ideias que nos fazem pensar são o brincar com a liberdade, a fascinação e o medo que o desconhecido nos oferece e o jeito discriminante de ser de cada ser.

Brincar, ser um ser livre é desejo do bicho homem, sendo humano, é nosso objetivo alcançá-lo. O encantamento pelo desconhecido e o inevitável medo também são componentes das buscas deste ser tão contraditório e sujeito da história, porém o homem lança-se no desconhecido e impõe-se ao elemento que o apavora. Já o nosso jeito de ser, mesmo pretendendo não sermos todos iguais, sempre reparamos no diferente e a tendência é ignorá-los, desprezá-los, criticá-los.

Por que nos acompanham tais ideias? Será que a família não nos alerta para os valores e os limites da liberdade; para o pensar e o agir diante do desconhecido e do medo; para o respeito às diferenças?

Sabe-se que aos pais conscientes cabe a competência de dar os bons conselhos e indicar os caminhos que devem ser trilhados, todavia a formação do caráter de uma pessoa, de um ser pensante, está nas mãos deste. Quem leu o diário de Anne Frank, certamente, aprendeu muitas destas lições.

Lendo-se a obra O urubu albino, série Florescer da leitura, Editora Valer, deparamo-nos com estas interrogações. Zemaria Pinto já nos ensinou, em O texto nu, que Ler nos leva ao Compreender, este nos conduz ao Interpretar e este verbo nos induz ao Conhecer. Partindo-se do conhecimento, quando nosso cérebro apreende a ideia, atingimos o ápice da pirâmide, o Pensar. Estes verbos acompanham a realização de qualquer leitura, seja do mundo que nos cerca ou das palavras que cercam o mundo. De palavra em palavra cada leitor, jovem ou adulto, vai construindo o seu jeito de ser, o seu caráter, com liberdade perante os fascínios e os temores que o mundo nos oferece.

Bico Claro, o urubu albino, é mais um animal disposto a servir de exemplo aos animais racionais, que somos nós, nos apresentando: a amizade, o respeito, os limites, o ouvir os mais experientes.

O urubu albino é a terceira produção infanto-juvenil de Zemaria Pinto, o poeta do Fingidor. O poeta é aquele que busca, nas entrelinhas da vida, descobrir uma nova maneira de dizer aquilo que outros já disseram ou que outros até já perceberam, mas não souberam dizer.

Zemaria é o poeta que fragmentou o silêncio e compôs melodias para os surdos. Em haicais cantou a beleza feminina e participou de dabacuris. Agora, nada com os peixes, em A cidade perdida dos meninos-peixes e nos dá uma lição do que é a família e seus valores. Também nos convida a não nos acomodarmos, a não nos instalarmos e dizermos que não tem jeito, que nada muda. O pequeno Beijinho, personagem de O beija-flor e o gavião, convence a acomodada e desajeitada Grandona a assumir o seu verdadeiro perfil, fugindo da mesmice e da falta de perspectivas. Convence-a a voar em busca da liberdade para não se deixar prear pelo ambiente e a opinião dos outros.

Capa de O urubu albino.
Cecília Meireles escreveu que a literatura não é passatempo, é alimento. O conceito da poeta continua pleno de significado. Ler bons livros nos ajuda a alimentar o espírito para que possamos enfrentar as agruras do dia a dia. Os livros, sejam infantis, infanto-juvenis ou adultos, quando bem escritos, marcam-nos e nos acompanham ao longo da caminhada. Nestas três obras infanto-juvenis, o autor destaca, de maneira natural, os valores da convivência, seja na família, seja nos grupos sociais. De família em família, a mensagem vai perfurando e penetrando na mente dos jovens leitores. Estas mensagens não nos arrancam lágrimas, nem suspiros; nos fazem construir pensamentos.

É bom que os leitores observem e pensem acerca da felicidade dos urubus diante dos “dois ovos azulados” assim como o reencontro com o filhote albino desaparecido. São animais irracionais que não maltratam nem abandonam os filhos como os humanos, conhecidos como racionais. Temos ainda muito a aprender e crescer. Aprendamos com os animais estas lições de vida, de vida em família, em comunidades, em sociedade.

Aprender para melhorar é missão de todos que pretendem viver e conviver com os demais. Não é demais lembrar o que escreveu Zemaria:

Ao descer das águas
a várzea rejuvenesce
  – tempo de plantar.

Sempre é tempo de plantar ideias em nossa mente para que este corpo, firmado sobre os pés, percorra o caminho que Deus nos indicou. São os pés, na visão do poeta, os que: 

devassam fronteiras
na construção do amanhã
sonhando mensagens. 

Sonhemos, pois, mensagens, sem esquecer, porém, de firmar-se no alicerce.


(*) José Almerindo Alencar da Rosa é professor de literatura.