Amigos do Fingidor

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Ecologia e poder: da foice e do martelo ao arco‑íris



João Bosco Botelho

           Durante muito tempo, no Ocidente, o mito foi equivocadamente compreendido como conjunto das linguagens oral e escrita repro­duzindo a fábula. Ao contrário, em outras sociedades, compreendido como retrato de estória verdadeira, plena de significado religioso e simbólico, relacionada às proteções pessoal e coletiva em torno das divindades e da posse do território.
           As teorizações de Xenofaneso (570‑528 a.C.), da escola eleata, precursor do pensamento em conceitos, investiu contra as representações míticas de Homero e Hesíodo, contribuindo para sedimentar a grande rachadura entre o mito e o logos.
           As construções dos saberes, no Ocidente, nos séculos seguintes, influen­ciadas pela forte herança cultural grega, adotaram o logos como o oposto ao mito. O mito significando a antítese da realidade.
           A atual tendência é a admissão acadêmica de não existir diferença preten­dida entre logos e mito. As duas construções estariam interligadas e dependentes como estados alternados da mesma realidade.
           É reconhecido por alguns historiadores que Karl Marx, em certas ocasiões, utili­zou um dos grandes mitos da escatologia do mundo asiático‑mediterrâneo – o papel do justo sacrificado – entendido pelos marxistas na figura do proletariado, para justificar a mudança ontológica do mundo. Parece existir correlação entre os mitos em torno da posse da terra e a função soteriológica do proletaria­do, proposta por Marx e Engels. De certo modo incorporou parte da ideologia messiânica judaico‑cristã, simulando a luta do bem – o comunismo – atacando impiedosamente para desapa­recer o mal – o capitalismo – da Terra.
           Os diálogos entre os teóricos marxistas, na época da Tercei­ra Internacional, e os filósofos historicistas, evidenciaram o quanto pesou na disputa para tornar exclusivo, na práxis, a objetividade do social pelos primeiros e a subjetivi­dade, na produção das ideias pelos segundos.
           Nos últimos vinte anos, as sociedades estão tendo a rara oportunidade de presenciar outro movi­mento da coesão social: o mal, antes simbolizado pelo comunismo, foi dicotomizado: o lado maléfico – a droga – e o benéfico – o verde.
           É fantástico como os ideólogos do capitalismo não só conse­guiram desmontar o rigor da abordagem política do marxismo, como também deram aos desiludidos marxistas uma opção para continuar falando. Não é demais valorizar Paulo (1Cor 11, 19): "É preciso que haja até mesmo cisões entre vós, a fim de que se tornem manifestos entre vós aqueles que são comprovados.”
           Durante pouco mais de cinco anos, para difundir a nova ideia pela grande mídia arti­culada, facilitando a assimilação do inevitável: a dissolução da URSS. A primeira meta das notícias que dominaram a mídia estava assentada na desmoralização do comunista‑inimigo, acentuando as contradições internas e externas insustentáveis.

           A entrevista do diretor do FBI, durante a passagem por São Paulo, em 1991, foi muito interessante. De acordo com o policial, os comunistas deixaram de ser preocupação do governo americano do norte. A prioridade atual é o combate às drogas. O rápido e, até certo ponto, previsível, desastre social do desmonte da ordem comunista, impôs à ideologia dominante vencedo­ra, o capitalismo transnacional, a necessidade de apressar o movi­mento mítico de coesão social em outra vertente: a droga substitui os comunistas e o arco-íris da vida garantida pelo capitalismo deve preservar o verde das florestas.