Amigos do Fingidor

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Pensar é um ato de humor



Zemaria Pinto

O professor José Dantas Cyrino Junior, que se revelou poeta em plena maturidade – contrariando a regra de que todos cometemos poesia apenas enquanto não temos a autocrítica firmada –, surpreende-nos de novo com um livro que, à parte a poesia latente, vai do trocadilho com intenção meramente humorística até a reflexão mais profunda.
Apesar do subtítulo – frases que não pretendem chegar a máximas –, Cyrino brinca com as palavras, ou melhor, com os fonemas, descobrindo novos sons e revelando novos sentidos, a partir mesmo dos títulos de cada uma das quatro partes em que o livro se divide. A referência a Millôr Fernandes no texto de abertura não é gratuita, mas cabe aqui lembrar outros frasistas notáveis, como Nelson Rodrigues e os irlandeses Oscar Wilde e Bernard Shaw, este o preferido de Millôr. Na filosofia, os pensamentos de Pascal e a filosofia a marteladas de Nietzsche destacam-se. Há uma tradição, portanto; e como em toda tradição, há também um cânone.
Aliterações, assonâncias, rimas internas – Cyrino lança mão de recursos típicos do arcabouço poético para moldar suas frases, dando-lhes um ritmo natural, que torna a leitura ainda mais prazerosa. Vejamos alguns exemplos ao léu:
O poeta é uma pessoa que destoa.
Férias são ócios do ofício.
O ovo é o anúncio do novo.
A primeira lembra-me um verso de Jorge Tufic – Poeta não se define: é um ser à parte. A pessoa que destoa não seria outra senão Pessoa. A segunda brinca com a negatividade da expressão popular “ossos do ofício”, tornando-a positiva, a partir da proximidade fônica ossos/ócios, bem como da relação ócio/ofício. A terceira é um achado de linguagem e de imagem: além das aliterações e assonâncias, constata-se que, de fato, um ovo, em si mesmo, é uma coisa que anuncia outra. Ou, como diria McLuhan, é a um só tempo meio e mensagem...    
Mas há também as frases que dispensam a técnica rítmico-musical, bastando-se em si mesmas, como nesta que resume o espírito do livro:
Banal é tudo aquilo que não me faz pensar.
O leitor mais atento terá muito a pensar lendo este livro, escrito por alguém que não tem pudor em despir-se das máscaras cotidianas, revelando-se por inteiro:
Eu tenho sido a maior criança que um adulto pode ser.
Tenha uma alegre e prazerosa leitura.

Apresentação do livro Mínimas  frases que não pretendem chegar a máximas (Manaus: Valer, 2014).