Amigos do Fingidor

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Existe sim!



Pedro Lucas Lindoso


Outro dia fomos a um novo restaurante cinco estrelas. Muito bonito. Ambiente agradável. Várias pessoas bem vestidas e de comportamento elegante. Todos brancos para o padrão brasileiro. Havia um casal visivelmente homoafetivo. Mas não havia nenhum negro no local.
Lembrei-me de uma parada de manutenção ocorrida há muitos anos na refinaria aqui em Manaus. A empresa baiana responsável pela reformulação dos tanques trouxe vários empregados especializados, da Bahia.
A maioria foi alojada no bairro do Japiim durante os três meses em que durou a parada de manutenção. Os trabalhadores baianos eram todos negros. Durante toda a estadia em Manaus faziam a refeição em determinado restaurante no mesmo bairro do Japiim.
O local era modesto, mas tudo era muito arrumadinho. A comida gostosa e tudo muito limpo. O restaurante havia inaugurado com a chegada dos baianos. O dono gostou daquela invasão repentina de fregueses fiéis e bons pagadores. 
Acabada a parada de manutenção os baianos retornaram a Salvador. O restaurante fechou as portas.
Meu pai tinha um tio que se casou com uma negra. Esse tio-avô teve uma filha chamada Eunice. Essa prima de meu pai se casou com um pracinha da II Guerra. Foram morar em Brasília.
Um dia eu jogava ping-pong com um dos filhos da Eunice, meu primo João, quando fui solicitado a pagar uma conta num banco perto de casa. Era 1968 e não havia internet. João não queria ir ao banco comigo. Mas eu insisti para que fosse.
Entrei normalmente no banco. O João foi barrado. Eu paguei a conta e me encontrei com ele lá fora. Ele então me disse:
– Te falei. Neguinho não pode entrar em todo lugar não, meu primo.
Naquele ano de 1968 assassinaram Martin Luther King, nos Estados Unidos. Alguém comentou:
– Ainda bem que aqui no Brasil não existe preconceito de cor. E eu, com meus onze anos, na qualidade de menino metido e atrevido, discordei e disse:
– Existe sim!

P.S. O Brasil ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1960 com “Orfeu Negro”. O filme era de um cineasta francês, mas os diálogos eram em Português. Os atores eram todos brasileiros. O presidente Barack Obama disse que sua mãe viu o filme e se encantou com a beleza dos negros. O resto é História.